Arquivo mensal: dezembro 2021

LULA, ALCKMIN E SUPLICY EM TRÊS ANOS

Poucos dias antes do Natal os noticiários brasileiros noticiaram com ampla repercussão o inusitado jantar promovido pelo grupo Prerrogativas onde se reuniram numerosos personagens da cena política brasileira. Havia para todos os gostos, desde a esquerda, passando pelo centro até a direita mais ou menos moderada e, claro, não faltaram os representantes do dito “Centrão” que, qual geleia mal apurada, se move para o lado onde pende o poder.

O prato principal do jantar, mesmo que muitos não o admitissem publicamente, era a presença simultânea e proposital entre Lula e Alckmin. O petista mor e um tucano de longa linhagem e alta plumagem pronto a saltar do ninho que por tanto tempo o abrigou em busca da vice-presidência. Como não podia deixar de ser, houve críticas e elogios de todos os lados. Nas redes sociais voaram confetes, serpentinas, fogos de artifício, bombas e também maledicências e palavrões. Comentários para todos os gostos. De minha parte, me mantive no silêncio diante do passado ali presente e pensando no futuro que pode acontecer.

A cena seguinte, menos bombástica mas também devidamente registrada, foi o encontro entre Alckmin e o ex-Senador Eduardo Suplicy no sábado de Natal. O objetivo era claro: manter viva a discussão sobre a possível chapa Lula-Alckmin. O efeito foi alcançado. O diálogo PT/Alckmin continua pautando o noticiário político.

No domingo a terceira cena que me moveu a escrever estas linhas: a morte de Desmond Tutu, o incansável bispo lutador contra toda forma de opressão e desigualdade. Mas, acima de tudo, o homem que foi o garante dos acordos que permitiram a superação do regime de apartheid na África do Sul. Liderando a Comissão de Verdade e Reconciliação, fez com que o aperto de mãos entre Nelson Mandela e Fréderic De Klerk não fosse seguido por um banho de sangue de repressão ou de vingança. Sem a Comissão de Verdade e Reconciliação liderada pelo pequeno gigante, todo o esforço político de Mandela e De Klerk poderia ter ido ao chão.

Lula e Alckmin talvez não tenham as dimensões de Mandela e De Klerk. Mas ninguém pode deixar de reconhecer que um representa a luta por um Brasil socialmente mais junto e o outro tem a trajetória da elite que nunca se incomodou com os sofrimentos da maioria do povo pobre e, na grande maioria dos casos, dela se aproveitou.

Na África do Sul havia o apartheid racial e legal. No Brasil, o apartheid social é informal mas não menos real e nem menos cruel que o do país do outro lado do Atlântico. Fico torcendo para que o aperto de mãos entre Lula e Alckmin sele o pacto por uma sociedade mais justa. Mas estou convicto que se não houver uma Comissão de Verdade e Reconciliação sobre as injustiças do passado distante e do presente próximo – entre elas os mais de 600 mil mortos por Covid19 e as múltiplas chacinas de jovens negros nas periferias das grandes cidades – dificilmente iremos além de uma conciliação de elites que nada de novo trará ao povo pobre brasileiro.

E aí a pergunta: quem poderá exercer no Brasil o papel que Desmond Tutu exerceu na África do Sul? Já não temos um Dom Hélder Câmara, nem um Dom Aloísio Lorscheider ou um Dom Paulo Evaristo Arns… As lideranças religiosas brasileiras, ou são silentes ou, em alguns casos, caricatos cúmplices da situação de dor e sofrimento de seus fiéis e de toda a nação. Quem tem autoridade moral hoje no Brasil para liderar um processo de desencobrimento das atrocidades e restauração da convivência entre vítimas e vitimários?

Talvez o provecto ex-senador por São Paulo possa indicar ou ser indicado para esse papel. É um burguês que sempre foi sensível à causa dos pobres. Pode ser a ponte entre o poleiro de tucanos e a estrela que, depois da tempestade, volta a brilhar. Quem sabe! Não custa sonhar com um 2022 melhor que abra caminhos para um novo futuro para o Brasil.

De qualquer foram, Feliz Ano Novo!

Meu fetiche de Natal

Símbolo ou fetiche? A distinção nem sempre é fácil. Muitas vezes o que queremos afirmar com uma das palavras se confunde com o que a outra quer dizer. Ainda mais nestes tempos de imprecisão linguística em que tudo o que é dito pode ser desdito ou entendido de forma totalmente diferente do que é.

Tentando uma aproximação, podemos dizer que símbolo é algo concreto que, por convecção ou analogia, indica algo abstrato. A cruz é símbolo do Cristianismo; a pomba representa a paz; a meia luz crescente o Islã; a foice e o martelo o comunismo; a suástica o nazismo.

Já o fetiche, é algo real e tangível que pretende substituir algo inalcançável. Coube a Sigmund Freud introduzir o conceito de fetiche na análise psicológica. Segundo ele, quando alguém não consegue alcançar o prazer sexual através de uma relação amorosa, pode dar-se prazer com algum objeto que simule a pessoa desejada ou em alguma parte de seu corpo que substitui o todo.

Freud não inventou este conceito do nada. Ele o buscou na etnologia que, desde o séc. XVIII, já o usava para caracterizar as religiões não ocidentais que apresentavam suas divindades agindo em lugares e objetos materiais. Charles de Brosse, primeiro etnólogo a utilizar o termo em um estudo dito científico, provavelmente tenha se inspirado na “caça às feiticeiras” dos séculos que os precederam. Afinal, “feiticeira” é a pessoa que é capaz de fazer com que objetos do quotidiano tenham qualidades divinas e, no limite, seja ela capaz de transformar algo material em sobrenatural.

De forma simples podemos dizer que o símbolo indica uma realidade que é diferente dele e o fetiche substitui esta realidade tomando o seu lugar e suas propriedades. Daí a pergunta que nos vem nestes dias que antecedem o Natal: quais são os símbolos natalinos mais populares? Tente fazer essa pergunta a si mesmo e às pessoas que estão ao seu redor. Pinheirinho, Papai Noel, trenó, renas, peru, chester, panetone, pacote de presente com fita vermelha e verde… serão as respostas mais comuns. Símbolos ou fetiches? No rigor do termo, fetiches. Eles substituíram e roubaram as propriedades daquilo que o Natal representa.

De fato, o menino que nasce em Belém, filho de Maria e de José, é o símbolo da presença salvadora no meio de nós. Ele mostra no concreto de sua fragilidade o projeto de Deus-Javé de libertar seus pequenos da escravidão do Egito, da Babilônia, da Assíria, do Império Grego, do Império Romano e, hoje, do império do consumo capaz de roubar até mesmo a esperança dos empobrecidos.

Queremos Natal, sim. Com muita festa, com muita alegria. Um Natal com seus verdadeiros símbolos: Maria, José, o Menino, o boi, o burro, os pastores, os anjos… Para que eles tenham lugar no presépio de nossas casas, cidades, de nosso país e do mundo, é preciso que nos livremos dos fetiches do capital. Um grande desafio natalino! Que possamos encará-lo com coragem e esperança.

FELIZ NATAL!


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