No fim de semana passada a Liturgia da Igreja nos convidou a celebrar a presença do Espírito de Deus em nós, na Igreja e em toda criação. Uma das mais belas festas do ano! Aliás, uma das mais importantes. Mais propriamente, ao lado da Páscoa cujo ciclo acabamos de encerrar e da Santíssima Trindade que celebraremos no próximo domingo, é a mais importante do Calendário Litúrgico. Páscoa, Pentecostes e Santíssima Trindade celebram o próprio ser de Deus em sua diversidade de pessoas e unidade de ser.
Meu Pentecostes deste ano foi marcado por uma certa preocupação teológica. Quem foi professor de Teologia Trinitária e, nela, de Cristologia e Pneumatologia durante 23 anos, ficou com o vício de estar atento ao que se fala sobre o Espírito Santo, que, depois de, por séculos na Igreja Católica Romana, ficar relegado da teologia, da espiritualidade, da liturgia e da pastoral, nas últimas décadas, na vaga pentecostal assimilada de outras Igrejas, passou a um lugar central.
Meu primeiro choque pneumatológico deste ano foi na missa de sábado de manhã. Ainda não era a liturgia de Pentecostes. Mas o padre, um senhor de uns quarenta anos, iniciou a Missa lembrando da festa que se acercava e convidando a comunidade a fazer o sinal da cruz “Em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo e da Virgem Maria”. Estranhei… Afinal, eu não sabia que a Virgem Maria tinha passado a fazer parte da Trindade que, com ela, não seria mais Trindade, mas Quaternidade. O interessante é que, em várias das saudações trinitárias da Liturgia Eucarística, o acréscimo se repetiu. Relevei o fato considerando que era sábado e muitos católicos tem a devoção de, neste dia, lembrar de modo especial da Virgem Maria. Continuei no entanto a estranhar a inovação teológica radical do tal padre.
Domingo de manhã, o rádio ligado em uma emissora pública que transmitia um programa mantido por um movimento católico pentecostal, o apresentador – um leigo de muito boa prosa e pouca consistência doutrinal – depois de muitas exortações a afastar-se das coisas do mundo e de muitos “aleluias”, encerrou sua peroração exortando os ouvintes a “pedir à Virgem Maria que envie o Espírito Santo para que ele aqueça nosso coração para que ele se entregue a Deus”.
Minha memória teológica não podia deixar de sobressaltar-se com tal afirmação e lembrar que, por muito menos que isso, tivemos o cisma entre as Igrejas do Oriente e a Igreja Latina ou Romana. Os orientais, seguinte o Credo Nicenoconstatinopolitano, diziam e continuam até hoje a afirmar que o Espírito Santo procede do Pai. É o chamado “Patreque”. Os latinos, movidos pela teologia trinitária de Agostinho de Hipona, a partir do Século V, passaram a dizer que o Espírito Santo “procede do Pai e do Filho”. Foi o famoso caso do “Filioque” que levou ao primeiro grande cisma na Igreja que perdura até hoje. E agora, na manhã de Domingo de Pentecostes, fico informado, através de um programa de rádio, que o Espírito procede de Maria! Seria o caso de um “Marioque”? Todo respeito e devoção a Maria! Mas ela não merece ser envolvida nessa polêmica e pagar a conta de nossa vã teologia que pretende compreender como são as relações em Deus e sua ação no mundo.
Para minha preocupação, minhas surpresas teológicas do dia de Pentecostes não tinham terminado. Na Missa da Paróquia que costumo frequentar, o padre que presidia, em seu sermão, depois de falar muitas coisas sobre o Espírito e tantas outras coisas mais que não tinham nada a ver com o Espírito, pronunciou uma pérola eclesiológica relacionada ao Espírito Santo que me fez mais uma vez tremer. Para descrever o modo de agir do Espírito, ele se reportou ao Concílio Vaticano II afirmando que só o Papa tem a plenitude do Espírito Santo e que em virtude disso, tudo o que ele diz é verdade. E, para demonstrar sua afirmação, fez referência a um Papa já falecido dizendo que tudo o que ele dizia era verdade, “bem diferente de outros por aí que andam fazendo afirmações que são completamente falsas e que mostram que esses não têm a presença do Espírito Santo”.
Não sei se a comunidade, já cansada de um sermão de mais de quarenta minutos e pouca lógica, entendeu o que ele quis dizer. Eu, que acompanhava o discurso com atenção devido ao seu viés ideológico . marcado, entendi perfeitamente. E não estranhei. Aliás, com aquela frase, tudo se encaixava e se tornava completamente compreensível naquela liturgia. Nem precisava ter dito. Mas, sendo dito, ficou explícito.
Tempos preocupantes para quem é católico. Quando a performance teatral substituiu a liturgia, a estética toma o lugar da teologia e a religião se assume como ideologia, tempos lúgubres se anunciam. Ou, sendo um pouco mais realistas, já assomam no horizonte e nos cobrem com seu gélido ar hibernal.
Que o Espírito nos proteja e dê forças para continuar caminhando.