Um segundo 1º de Maio de pandemia. O primeiro, foi o de 2020. E de lá prá cá, a situação só piorou. Não apenas chegamos aos 400 mil mortos pela Covid 19, o que já é, em si, trágico. Junto com os milhares de mortos e os que sobreviveram com sequelas, estão os familiares que padecem as dores da ausência não devidamente ritualizada. Ao lado, a crise econômica que não é só fruto da pandemia, mas tem muito de sua origem e manutenção na opção econômica do atual (des)governo que se oculta por trás da crise sanitária para alienar as riquezas do país aos interesses estrangeiros.
Um dos resultados mais perversos de tudo isso são os milhões de homens e mulheres que não tem a possibilidade de trabalhar. 14% da força de trabalho, numa estimativa bastante conservadora, está desocupada. E isso tem consequências não apenas para eles, mas para as famílias e toda a sociedade. E, os que ainda estão ocupados, vivem uma precariedade cada vez mais perversa. Podemos vê-los nos “empreendedores” que prestam serviço às plataformas digitais de intermediação de trabalho e serviços que se veem obrigados a labutar 12, 14 e até 16 horas diárias para poder alcançar uma renda mínima que lhes permita a sobrevivência. O caso mais gritante é o dos entregadores de comida que não tem o que comer e não conseguem levar para casa comida para seus filhos e filhas.
Diante disso, que palavra temos a dizer como cidadãos e como cristãos? No vídeo abaixo, oferecemos alguns elementos da Doutrina Social da Igreja sobre esta situação. Assista, compartilhe e inscreva-se em nosso canal no YouTube:
Aproveito a ocasião do Dia do Livro para tornar pública uma paixão que eu nunca ocultei de ninguém: sou viciado em livros. E não é vício novo. É antigo. Vem desde a infância. Aos sete anos, ganhei meus primeiros livros. Só aos sete? Sim. Livro, lá no interior, para uma família pobre como a nossa, era um luxo!
Estava eu no Segundo Ano do Primeiro Grau (era assim que se dizia na época), e a professora Maria Polesel Didoné, minha primeira professora, pediu aos pais que comprassem livros para seus filhos, alunos na brizoleta da Linha Aimoré, a Escola Estadual Rural João Ghellere.
Na primeira ida à cidade, meu pai voltou com três livros. Capa dura, coloridos, papel branco… Devem ter custado caro os meus três primeiros livros: “João e o Pé de Feijão”, “Os Três Porquinhos” e “Chapeuzinho Vermelho”. Três clássicos da Literatura Infantil certamente recomendados pela vendedora da Livraria Parisi, a única existente na época em Veranópolis.
Não sei quantas vezes li e reli aqueles três livros. Em seguida começaram a circular entre nós os gibis da Walt Disney. Fiz meu up grade com a leitura do “Príncipe Valente” do Harold Forster. Aí o vício estava instalado e não parei mais. Lia de tudo. O que viesse pela frente. Comecei a exercitar meu discernimento literário com a professora de Língua Portuguesa e Literatura no Segundo Grau, a incrível e inesquecível Professora Ida Sonda Pessin. Professora com “P” maiúsculo. Ela me apresentou os clássicos da Literatura Brasileira. Jorge Amado foi minha grande paixão. E na Biblioteca do Seminário estava todo o Jorge Amado: uma longa fila de livros de capa vermelha que fui degustando um a um, saboreando aquele mundo tão estranho para mim.
Foi a professora Ida quem me apresentou aquele que para mim é, até hoje, o clássico dos clássicos brasileiros: “Grande Sertão: Veredas” do João Guimarães Rosa. No final do ano, no último dia de aula, ela veio até mim, me estendeu o livro e me disse: “Aproveita para ler esse livro nas férias”. Não li de uma sentada só porque isso é impossível! Mas não conseguia parar… Foi uma experiência espetacular que só se repetiria em outras duas ocasiões com outros dois livros: “O Nome da Rosa” de Umberto Eco e o “Ciem Años de Soledad”, de Gabo Márquez. Uma experiência da qual se aproximaria a leitura de “La Ciudad y los Perros” de Vargas Llosa, “Waslala” de Gioconda Belli e “La Casa de los Espiritos” de Isabel Allende.
Minha paixão por livros é tanta que as bibliotecas são o meu playground preferido. O cheiro dos livros é perfume comparável aos das flores do jardim. Passear entre as estantes, um verdadeiro prazer. Passeando as mãos nos livros enfileirados, me sinto como Mário Quintana olhando o mapa de Porto Alegre:
Olhos os livros da biblioteca Como quem examinasse A anatomia de um corpo (E nem que fosse o meu corpo!) Sinto uma dor infinita Dos livros da biblioteca Que jamais eu lerei…
O outro lado desta história é que o meu vício virou profissão quando meu tornei professor. E os livros que antes eram diversão, transformaram-se em instrumentos de trabalho. O que era prazer, virou obrigação. Não que haja oposição entre as duas versões da paixão. Leio com prazer o que é obrigação e faço da obrigação um prazer. Mais ou menos como o amante de vinhos que vira enólogo. Só não leio com moderação! Não me peçam isso jamais… Leio e sempre lerei com devoção e com tesão.
Até quando lerei? Não sei… Só sei que gostaria de morrer com a cabeça descansando sobre um livro. Ou com um livro nas mãos. Ou no meio de uma leitura, o livro caído ao lado da cama, leitura inconclusa de uma vida que se vai.
Hoje, olhando para trás nessa história toda, me faço uma pergunta: e se meu pai, em vez de ouvir as palavras da professora Maria e comprar meus três primeiros livros, tivesse comprado e me presenteado com uma arma de brinquedo? O que eu teria me tornado se tivesse ganho, aos sete anos, uma imitação de um revólver, espingarda ou metralhadora?
É muito provável que eu não teria lido tantos livros em minha vida… E hoje, certamente, eu não seria professor. Poderia ser algo bem diferente. Talvez Capitão Presidente ou General Ministro de Estado. Ou simplesmente um miliciano.
Os livros traçam destinos. Tanto os que lemos como os que não lemos. Tenho gratidão pelos livros que eu li. E tenho saudades dos que ainda não li e ficam na esperança de que um dia talvez possa ler.
Assista o vídeo desta reflexão e inscreva-se em nosso canal no YouTube
Os números nos excedem. São tão monstruosos que ultrapassam nossa capacidade de mensuração. Não é que não saibamos mais contar ou que dois mil, três mil, quatro mil ou quatrocentos mil sejam quantidades que já não nos dizem nada. Nosso cérebro conta. Mas ele não consegue mais processar o que significa tal quantidade de mortos. A cifra e a dor embutidas nela são de tal monta que a única defesa é o anestesiamento auto infligido. Um anestesiamento emocional para poder suportar a dor e a vergonha de uma sociedade que se permite a morte das pessoas mais frágeis.
A eutanásia é algo não admitido pela maioria das pessoas em nossa sociedade. Muito menos a eugenia e o extermínio dos fracos e indigentes. Na história da humanidade, apenas regimes totalitários adotaram tais práticas. E as pessoas que lideraram tais processos genocidas são hoje apresentados como excrecências históricas. No entanto, o modo como está sendo abordada por alguns líderes brasileiros a crise da Covid19 faz com que nos coloquemos interrogações sobre as reais intenções que os animam. Quando um prefeito de uma capital apela a um cidadão para que “contribua com sua vida para que a gente salve a economia”, estamos muito perto da barbárie.
O peso é tanto, que muitos já não o suportam. A dose de autoanestiamento exigido para poder suportar o absurdo civilizatório em que fomos jogados é tão pesada que muitos já não conseguem emergir das trevas que nos rodeiam. São poucas as manchetes dos jornais e os espaços televisivos e radiofônicos que tratam de tal assunto. Mas cada um de nós – feliz de você se não está neste número – sabe de um familiar, amigo ou conhecido que, em meio à pandemia, tomou a decisão de acabar com a própria vida. Às vezes pessoas que imaginávamos nunca chegariam a tão trágica opção. Um médico, um professor, um padre, um pastor… Personalidades que sempre imaginamos fortes, conscientes, respeitosas da vida dos outros e da própria. Num gesto inexplicável e incompreensível decidem partir deste mundo que se tornou insuportável.
Alguns dos que desta maneira partem deixam uma mensagem de despedida. Outros partem sorrateiramente sem deixar qualquer vestígio. No primeiro caso, suas palavras são um chamado a ser escutado. No segundo, seu silêncio é um grito de dor a ser respeitado. Porque ninguém que parte desta maneira, parte sem dor. O suicídio é o ponto final de um longo e penoso processo de partidas interrompidas e nunca escutadas.
O suicídio é uma decisão individual. Mas ele revela um mal-estar social. Assim como não existe vida que nasça por si mesmo, toda morte carrega consigo um pedaço da vida dos outros. Cada suicídio é também um pouco de cada um de nós que morre. Em cada um que opta por partir, é denunciada a cultura tanatófila de nosso tempo que se tornou insensível à morte de milhões.
Vivemos uma explosão de mortes. É tamanha que ultrapassa tudo o que nossa geração já viveu. É preciso interrompê-la já. Mas é preciso estar também e desde já atentos às vidas que implodem por já não suportarem tanta dor. É preciso manter distância física para evitar o contágio viral. É indispensável aproximarmo-nos dos que estão à deriva e na ameaça de implosão e dar-lhes apoio emocional. A morte não é apenas o espetáculo morboso no jornal televisivo da noite. Há muitos morrendo silenciosamente para dentro. Para estes, não basta máscara, distanciamento e vacina. É preciso aproximação, carinho e compaixão.
Assista ao vídeo desta reflexão e inscreva-se em nosso canal no YouTube:
Escrevo este texto na terça-feira da Páscoa. Uma Páscoa diferente. Diferente como foi a do ano passado. Uma segunda Páscoa em meio à Pandemia. Uma Páscoa com celebrações restritas. E com poucas comemorações. Uma Páscoa com Igrejas fechadas ou com acesso limitado. Uma Páscoa com o comércio vazio e os cemitérios lotados. O choro da Paixão do Senhor continuou no sábado e domingo e segue ainda hoje pelo contágio, intubação e morte de pessoas cada vez mais próximas de nós.
O silêncio do sábado de espera foi rompido por uma notícia insólita. Um ministro do Supremo Tribunal Federal autorizou liminarmente a realização de cultos religiosos em todo o Brasil. Decisão monocrática e contrária a outras decisões anteriores do Pleno do STF. Prefeitos, governadores e até outros membros da Suprema Corte manifestaram-se contrários. As igrejas afiliadas ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) chamaram ao bom senso e à necessidade de não fazer dos templos um lugar de transmissão do vírus e de propagação da morte.
A intervenção de outro ministro do STF fez com que a disputa seja decidida amanhã, quarta-feira, no plenário do STF. Esperamos a decisão. Será uma decisão jurídica que todos os brasileiros e brasileiras terão como referência. Do ponto de vista religioso, no entanto, a polêmica veio colocar um ponto de não retorno no cristianismo brasileiro. E não apenas nesta ou naquela denominação religiosa. É um marco que atravessa todo o cristianismo porque, em todas as igrejas, há membros que defendem a abertura e membros que defendem o fechamento.
O que está em questão, é o que compreendemos por Igreja. Quando falamos a palavra “igreja”, pensamos no prédio em que nos reunimos ou pensamos na comunidade que é o Corpo de Cristo e o Templo do Espírito Santo? Se esta segunda compreensão é a que habita nossos corações, não há necessidade de templos abertos para praticar a fé. Onde dois ou mais estiverem reunidos, aí está Deus no meio de nós. Como diz a nota do CONIC, isto pode ser feito em família, online e no coração de cada um. E mais: onde houver um irmão ou uma irmã passando fome, com sede, nu, doente, preso… aí está o próprio Cristo. Não há necessidade de ir ao templo para encontrá-Lo. Ele está abandonado em nossas ruas, parques, praças perambulando por não ter casa e, desempregado, pedindo pão para seus filhos. Ele está clamando nos hospitais lotados e nas UTIs abarrotadas, esperando atendimento, intubado, morrendo… Os verdadeiros adoradores, já dizia Jesus, não são os que vão ao Templo de Jerusalém ou ao Monte Garizim para rezar, mas os que o adoram em Espírito e Verdade.
A decisão do STF será uma decisão jurídica. Prevalecerá a lei, a Constituição que esperamos seja interpretada com o bom senso que a situação merece. Mas a decisão de fé já está dada. As duas opções são claras: há os que adoram o Deus da Vida e os servidores da morte. Há os pastores que dão a vida pelas ovelhas (e os há em todas as igrejas) e há os mercenários que só pensam no dízimo e nas doações dos fieis. Há as Igrejas e há os grupos empresarias que exploram a fé dos pobres e desesperados. Essa é a divisão básica entre as igrejas e em todas as igrejas. Independentemente do que decida o Supremo Tribunal Federal, cada um e cada uma sabe o lado que está tomando. Não há mais o que fingir. Deus está vendo. E todos nós também. Amém.