Arquivo mensal: abril 2023

Brasília – Asa Sul

Eu ainda não havia nascido quando Brasília foi inaugurada. Em 1960 o Brasil ainda respirava ares democráticos e sonhava com mais cinquenta anos em cinco. A nova capital foi inaugurada. O “avião” de Lúcia Costa decolou na esperança de com ele alçarem-se tempos novos para todo o país. Mas veio 1962. E, depois, 1964 e o golpe militar consumado.

Meus olhos viram a luz no final de 1965. Criado no sul do sul do Brasil, só vim conhecer o Planalto Central em 1986 em meio à transição da ditadura para a democracia. O Presidente era o ex-arenista José Sarney que foi empossado sem nunca ser eleito nem diplomado. Era a transição negociada com os militares que largavam o governo mas continuavam com muito do poder. Depois daquele primeiro encontro, várias vezes tive a oportunidade de visitar a cidade que nasceu da vontade desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, foi planejada na prancheta de Lúcia Costa e adornada pelas obras do comunista Oscar Niemeyer.

Morar aqui, nunca passou pelas minhas mínimas cogitações. Mas eis que, 36 anos depois, cá estou eu morando numa das avenidas identificadas por letras e números da Asa Sul do Plano Piloto e trabalhando no ponto de encontro da Asa Sul com a Asa Norte e delas com o Eixão. Da janela da sala do trabalho vejo, ao leste, vejo a Esplanada dos Ministérios no lado em que o último prédio é o Palácio do Planalto e, à sua direita (no sentido físico e também político do termo), o Congresso com as duas torres e as cúpulas, uma na posição normal e a outra, invertida. Ao oeste ergue-se a Torre de Comunicação e o setor hoteleiro norte.

Como diz a música da banda que aqui surgiu na década de 1980, aqui, no coração da capital, “as ruas tem cheiro de gasolina e óleo diesel” como as de qualquer outra cidade grande. Diferentemente do planejado por seus idealizadores que a queriam com trezentos mil habitantes, nestes sessenta e poucos anos, Brasília se tornou uma cidade de três milhões de moradores. As “cidades satélites” não são mais satélites. Têm vida própria e espelham a realidade brasileira não apenas quanto à origem de seus moradores. Brasília, no seu todo, é um reflexo exacerbado da nação que somos. Aqui convivem, lado a lado, a maior renda per capita com a maior favela do país. O sol que nasce para os que vivem nas mansões do Lago Sul é muito diferente daquele que brilha na Sol Nascente. No Lago Sul, o astro aquece as piscinas. Na favela, ele seca a pele, o chão e toda esperança.

Morar em Brasília é uma experiência particular. É uma viagem entre o que foi planejado, o que deu certo e o que deu errado. O Parque da Cidade, as alamedas nas entrequadras, as praças, as árvores frutíferas por todos os lados, as flores, os amplos espaços ajardinados chamando à convivialidade… são o lado bom da cidade que busco aproveitar nos pouco tempo de folga que a atividade me permite. As distâncias, o privilégio ao automóvel, a frieza do cimento, a segregação por faixa de renda concretizada gráfica e geograficamente são o lado que dói e faz pensar que a utopia, quando esquece o lugar onde é gestada, pode se tornar distópica.

Minha residência aqui é transitória e ligada à atividade específica que me fez vir para este lugar do Brasil. Vivo a cada dia que estou aqui esta cidade que estou aprendendo a gostar na esperança de, nela e com as pessoas que aqui vivem e com as quais convivo, muito possa me ensinar.