Difícil ter nascido no Rio Grande do Sul. Cada vez e de novo ter que explicar que o fato de ter nascido no Estado mais ao sul do território nacional não faz de você, automaticamente, um gaúcho. Complicado explicar que “gaúcho” não é gentílico, mas identidade cultural. Que existem gaúchos no Rio Grande do Sul, sim. Mas também os nascidos em Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e em tantos outros estados do Brasil. Mas gaúcho mesmo, de verdade, é o índio pampeano e missioneiro – brasileiro, uruguaio ou argentino – que, expulso de suas terras pelos invasores espanhóis e portugueses, vagueia orellano pelas terras que um dia foram suas e hoje estão presas pelos fios de arame farpado, invadidas pelo soja ou assoladas pelo cruel eucalipto. É nas favelas, villas e barriadas que hoje moram os gaúchos, anelando em suaves milongas, seus dias de liberdade para sempre perdidos.
Nasci no Rio Grande do Sul. Bisneto de imigrantes italianos. Me criei na colônia italiana comendo polenta, fortaia e falando a língua vêneta. Fui aprender português na escola. Minha mãe tomava mate com erva seca no forno de barro e moída no bastão. Era costume de minha família materna. Um costume gaúcho que herdei e cultivo até hoje. Mas não por isso posso me considerar um verdadeiro gaúcho. Sou rio-grandense de origem italiano que, como em todo processo de integração, assimilou hábitos da cultura nativa.
Outra coisa difícil para quem nasceu no Rio Grande do Sul, é ter que explicar que é possível ser sul-rio-grandense sem ter que ser torcedor ou do Grêmio ou do Inter. A imprensa paroquial exportou a imagem de uma cultura esportiva bipolar, onde não existe alternativa entre o tricolor e o colorado. Ou é um, ou é outro. E eu não sou nenhum dos dois. Sou torcedor do Aimoré. Não o de São Leopoldo a quem muito respeito. É o Aimoré da Linha Quarta de Vila Flores. O time em que fui centroavante durante mais de 10 anos disputando amistosos, torneios e o Campeonato Municipal. O bom do Aimoré, entre outras coisas, é que, a cada quatro anos, a cor da camisa mudava conforme o uniforme doado por este ou aquele candidato a Deputado Federal da Arena ou do MDB. Deputado Federal doava o uniforme. Deputado Estadual a bola. Hoje o Esporte Clube Aimoré já não existe. Sobrou o campo com suas duas brancas goleiras metálicas e os restos da grade que o cercava. Em vez dos 22 atletas amadores correndo atrás da bola de couro costurada a mão, hoje nele pastam, de vez em quando, alguns cavalos e ovelhas da vizinhança. Gritos, só o dos quero-quero que insistem em elevar seus melancólicos piados no silêncio do fim da tarde. Mesmo assim, continuo torcedor do mítico time e de suas cores sempre cambiantes. Talvez o único e último.
Mas o pior de tudo de ter nascido no Rio Grande do Sul, é que aqui é muito difícil encontrar coentro. Muito difícil meeeeeeesmo! Até no Mercado Público de Porto Alegre é raro encontrá-lo. Em estado natural, verdinho, fresquinho, exalando seu típico perfume que enobrece qualquer receita, praticamente impossível. Só com muita sorte. O drama é que, quem aprendeu a gostar dele, não consegue abandoná-lo. Sem coentro, não há sabor! E, quando acham que sou gaúcho e me perguntam se sei assar churrasco, digo que sim, mas com uma condição: só se puder temperar com coentro! Sal grosso e coentro. E nada mais! É conditio sine qua non e não abro mão. Podem buscar outro assador! E não é absurdo, não! Se chimarrão combina com rapadura e doce de anis e se churrasco combina com salada russa, cerveja e cuca alemã, porque a carne da relês rês assada à moda pampeana não pode harmonizar com a apieaceae de perfume inconfundível , incomparável e insuperável?
Eu amento. Mas eu não minto. Eu só invento. E neste 20 de setembro, eu digo e repito, viva o churrasco, viva o coentro!