Arquivo mensal: junho 2012

Dados que falam por si mesmos.

Dilma Rousseff teve aprovação recorde na segunda pesquisa Ibope de 2012 . Foto: Forbes/Reprodução

Hoje, no final da manhã, sobrei cinco minutinhos para dar uma rápida olhadinha na internet. Um rápido giro por alguns sites de notícias e duas informações que saltavam aos olhos. A primeira, a divulgação pelo IBGE dos dados do Censo 2010 relativo à pertença religiosa dos brasileiros. Segundo o Censo, o número de católicos caiu quase 7% no Rio Grande do Sul na última década. O dos evangélicos – Assembléia de Deus à frente – subiu quase 4 %. No Brasil, os número foram ainda mais significativos: em todo o país, os católicos passaram de 73,6% em 2000 para 64,6% em 2010 – queda de 9%. Os evangélicos, por sua vez, foram o segmento religioso que mais cresceu no Brasil. Em 2000, eles representavam 15,4% da população. Em 2010, chegaram a 22,2%, um aumento de cerca de 16 milhões de pessoas (de 26,2 milhões para 42,3 milhões). Em 1991, este percentual era de 9,0% e em 1980, 6,6%.
Em quase todos os sites, a outra notícia de capa era sobre a pesquisa de aprovação popular de Dilma e seu governo. Aí os números também era impactantes. O governo de Dilma tem 59% de aprovação, nível maior do que se comparado a segunda pesquisa CNI/Ibope feita no segundo ano de governo do primeiro mandato de Lula e FHC. Nessa base de comparação, Lula teve, em junho de 2004, 29% de aprovação, enquanto FHC conseguiu 35% em maio de 1996.
A confiança também é maior em Dilma do que foi em Lula e FHC. Na pesquisa divulgada hoje, 72% dos entrevistados afirmaram confiar na presidente. Em junho de 2004, Lula registrou 54%, enquanto FHC teve 53% em maio de 1996.
A aprovação da maneira de governar da presidente atingiu o maior patamar da história, superando seu antecessor mais popular. Em junho deste ano, Dilma manteve a alta histórica de 77%, enquanto o maior nível atingido por Lula foi de 75%. No entanto, a aprovação de Lula na mesma base de comparação (2ª pesquisa do segundo ano do primeiro mandato) ficou em 51% em junho de 2004. FHC conseguiu, em maio de 1996, 54%.
Qual a diferença entre Dilma e a Igreja;; Uma só: a opção pelos pobres. Não por acaso o Rio de Janeiro, lugar onde a opção pelos pobres foi renegada e excluída do vocabulário eclesial oficial, é o lugar onde o índice de católicos continua a cair vertiginosamente.
Interessante seria fazer um estudo por região e averiguar a relação concreta entre a postura da Igreja frente aos problemas dos pobres e a permanência na Igreja. Esperamos que algum sociólogo com tempo e condições possa fazer isso.
Enquanto isso, o governo Dilma com suas ações concretas em favor dos preferidos de Jesus, continua surfando em popularidade.

Carta das Religiões e o Cuidado da Terra

No Espaço da Coalizão Ecumênica e Inter-religiosa “Religiões por Direitos”, no âmbito da Cúpula dos Povos na Rio+20 para a Justiça Social e Ambiental, contra a mercantilização da vida e em defesa dos bens comuns, os líderes religiosos do Brasil signatários, aderindo à iniciativa da Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Interreligioso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de Religiões pela Paz, reuniram-se para debater a relação entre as religiões e as questões ambientais.
Como resultado do diálogo, concordou-se que a agenda das religiões na atualidade não deve desconsiderar a agenda do cotidiano da vida das pessoas na sociedade e das exigências da justiça ambiental. A agenda das religiões deve incluir os elementos que traçam os projetos do ser humano na busca de realização da sua existência e afirmar compromissos efetivos com a defesa da vida no planeta. Religiões, sociedade, desenvolvimento sustentável e meio ambiente não são realidades distanciadas, mas estreitamente correlatas. As tradições religiosas contribuem para a afirmação dos valores fundamentais da vida pessoal, socioeconômica e ambiental, orientando para a convivência pacífica e respeitosa entre os povos, culturas e credos, e destes com toda a criação.
Assim, é fundamental na agenda das tradições religiosas hoje:
a) Apresentar ao mundo o sentido da existência humana. A humanidade vive momentos de pessimismo, com sensação de fracasso e desânimo, sobretudo nas situações e ambientes de crises econômicas, de injustiças, de violência e de guerras. Comprometemo-nos em fazer com que as nossas tradições religiosas afirmem de modo concreto o valor da vida de cada pessoa, independente da sua condição social, religiosa, cultural, étnica e de gênero, ajudando-as na superação dos problemas que lhes afligem no cotidiano, sejam eles de caráter sócio-econômico-político e cultural, sejam eles de caráter pisíquico-espiritual.
b) Promover a educação e a prática do respeito mútuo, do diálogo, da convivência pacífica e da cooperação entre os diferentes povos, culturas e religiões, fundamental no mundo plural em que vivemos. Assumimos o compromisso de trabalhar para a convergência dos diferentes paradigmas culturais e religiosos dos povos, como uma possibilidade para melhor entendermos o mundo dentro de suas inter-relações e a convivência entre todos os seres humanos.
c) Explicitar mais e melhor o que já possuímos em comum. Nossas tradições já partilham valores religiosos, como a fé em um Ser Criador, o cultivo da relação com Ele, a compreensão da origem e do fim de cada pessoa. Comprometemo-nos a partilhar as riquezas que possuímos para fortalecer as relações entre nossas tradições, o enriquecimento e o reconhecimento mútuos, bases para a cooperação inter-religiosa em projetos que promovem o bem comum.
d) Discernir juntos os valores que constroem a paz no mundo. Sabemos que a paz não é simples ausência da guerra, mas é fruto da justiça e da prática do amor.
Comprometemo-nos na promoção da convivência pacífica entre os povos e o desenvolvimento da fraternidade e da solidariedade universal, superando todo fundamentalismo e exclusivismo, bem como o consumismo irresponsável que causam conflitos entre as pessoas e os povos.
e) Viver a compaixão para com os mais necessitados, empobrecidos e excluídos da sociedade. Assumimos o compromisso de realizar juntos projetos sociais que fortalecem a solidariedade nas comunidades religiosas e na família humana.
f) Promover o valor e o cuidado da criação. Tomamos conhecimento das ameaças à vida do planeta, consequências dos interesses econômicos que constroem uma cultura utilitarista e consumista na sociedade em que vivemos. Comprometemo-nos com o desenvolvimento de uma nova ética na relação com o meio ambiente, capaz de orientar novas atitudes defensoras de todas as formas de vida, sustentadas em políticas públicas de justiça ambiental e numa mística/espiritualidade que explicite a gratuidade e o dom da vida da criação.
g) Afirmar elementos de uma ética comum que, sustentada nas convicções religiosas que possuímos, seja capaz de orientar atitudes e comportamentos de paz e de justiça, tanto dos membros das nossas tradições como de todos os povos. Comprometemo-nos a desenvolver novos comportamentos, com prevalência da ética da tolerância e da liberdade cultural e religiosa, do respeito às diferenças, da dignidade de toda pessoa, da convivência entre credos e culturas, dos direitos humanos.
Finalmente, solicitamos à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio+20, acolher a contribuição das religiões para o cuidado da vida na terra, reconhecendo que os imperativos morais DAS nossas tradições, convicções e crenças, bem como os nossos esforços de diálogo e cooperação inter-religiosa são imprescindíveis para alcançarmos o desenvolvimento sustentável de toda a humanidade.

Exmo. e Revmo. Dom Francisco Biasin – Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Rev. Pe. Peter Hughes – Secretário Executivo do Departamento de Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM)
Revmo. Dom Francisco de Assis da Silva – Primeiro Vice-presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC)
Rev. Dr. Walter Altmann – Moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas (CMI)
Rev. Nilton Giese – Secretário Geral do Conselho Latino-americano de Igrejas (CLAI)
Rabino Sergio Margulies -Representante da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ)
Sami Armed Isbelle – Diretor do Departamento Educacional e de Divulgação da Sociedade Beneficente Mulçumana do Rio de Janeiro (SBMRJ)
Ialorixá Laura Teixeira – Coordenadora Estadual do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileiras – Rio de Janeiro (INTECAB)
Irmã Jayam Kirpalani – Diretora Europeia da Universidade Espiritual Mundial Brahma Kumaris
Elias Szczytnicki – Secretário Geral e Diretor Regional de Religiões pela Paz América Latina e o Caribe

Paraguai: um golpe nos golpistas

Como diz o dito popular, “às vezes quando se ganha, então é que se perde e, quando se perde, então é que se ganha”. Não sei, mas algo está a me dizer que os golpistas do Paraguai preparam um golpe para si mesmos: A Constituição Paraguaia não prevê a inelegibilidade de governantes afastados por incapacidade administrativa, o que foi o caso de Lugo. Ou seja, daqui a dez meses, em abril de 2012, o Presidente deposto poderá ser eleito pelo povo para mais um mandato de quatro anos. Tudo depende da capacidade de mobilização popular e da pressão dos países vizinhos para que a vida do ex-bispo seja respeitada.

Abaixo a reportagem de “Dom Total” que também segue o mesmo racioncínio:

A dez meses das eleições presidenciais, quadro é de incertezas no Paraguai

Por Renata Giraldi

Assunção – A história política do Paraguai é marcada por avanços e recuos, além de uma das ditaduras mais longas das Américas, a comandada pelo general Alfredo Stroessner – que durou 34 anos, acabando em 1988. Em 2008, o país elegeu o ex-bispo Fernando Lugo, que prometeu reforma agrária e melhorias sociais. Com o impeachment de Lugo na última sexta-feira (22), o quadro de incertezas predomina no país a dez meses das eleições gerais.

O impeachment de Lugo não o impede de concorrer às eleições. Pela Constituição, ele preserva todos os direitos políticos, portanto, não há limitações legais à sua candidatura. No entanto, a legislação paraguaia proíbe a reeleição, o que não permitirá, por exemplo, que o novo presidente, Federico Franco, tente se manter no poder. Lugo não confirma nem descarta a possibilidade de se candidatar a um cargo eletivo em abril. Ao ser perguntado ontem (25) sobre o que pretende fazer, ele foi evasivo: ´Ainda não se pode definir´. Para analistas políticos, o ex-presidente não se manifesta sobre o futuro porque trabalha com a hipótese de poder retornar ao poder para concluir o mandato.

Em 21 de abril de 2013, todos os cidadãos paraguais de 18 a 75 anos são obrigados a votar. Serão escolhidos o presidente, o vice, 17 governadores e parte dos 45 senadores e 80 deputados federais. Porém, o impeachment de Lugo e o novo governo do presidente Federico Franco geraram uma série de especulações ainda sem respostas.

Pelo cenário atual da política paraguaia, as eleições deverão polarizar as disputas entre os candidatos do tradicional Partido Colorado, que fez oposição a Lugo e ao qual pertencia Stroessner, e o Partido Liberal. Alguns nomes se apresentam como eventuais candidatos para a Presidência da República, mas não há confirmações oficiais.

Os candidatos pelo Partido Liberal são Horicio Cartes, Zacarias Irún e Lilian Samaniego – que é a presidenta da legenda. Pelo Partido Liberal, devem estar na disputa Blás Llano, empresário e ligado ao governo Franco, e Efraim Alegre.

Agência Brasil

Antônio Vieira e o doce inferno dos negros

Reproduzimos abaixo matéria do jornalista Emiliano José da Revista Carta Capital sobre o Pe. Antônio Vieira. A matéria é tão boa que não vale a pena resumi-la… Bom mesmo, é lê-la!

Boa leitura a tod@s.

Retrato do padre Antônio Vieira de José Rodrigues Nunes. Imagem: Reprodução

Retrato do padre Antônio Vieira de José Rodrigues Nunes. Imagem: Reprodução

Nasceu em Lisboa em 1608. Morreu em Salvador, em 1697. Com seus sermões, tornou-se uma referência, tanto pela maestria e beleza com que esgrimia ao valer-se da língua portuguesa quanto pelas ideias que defendia, enfrentando preconceitos de então, justificando outros. Combateu a escravidão indígena no Brasil, enfrentou a feroz Inquisição portuguesa por quem foi implacavelmente perseguido, defendeu os judeus e o que considerava dinamismo do capital que eles podiam aportar em Portugal. Gostava da Corte, envolveu-se na política e na diplomacia, foi intransigente defensor da escravidão dos negros, contra qualquer negociação com o Quilombo dos Palmares, propôs que a Coroa portuguesa entregasse Pernambuco aos holandeses e chegou a enveredar pelos caminhos da profecia, um dos motivos pelos quais foi perseguido pela Inquisição.

Essas impressões foram recolhidas do livro Antônio Vieira: Jesuíta do Rei (Companhia das Letras, 352 págs., R$ 44,00), de autoria do professor titular do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense Ronaldo Vainfas. A indicação de leitura veio de meu amigo, professor Venício Lima, apaixonado pelo estudo em torno de Vieira. Li de uma sentada, como se diz aqui na Bahia. É, além de tudo, muito bem escrito, escapando do peso de quaisquer hermetismos acadêmicos. Quando gosto da leitura, e se tenho espaço, manifesto-me, sem que, obviamente, tenha a mínima pretensão de produzir uma resenha. Agradeço a indicação que Venício me fez, entre outras tantas, sempre prazerosamente acolhidas, e que nunca me frustraram.

Sei perfeitamente que corro o risco do anacronismo – quase inevitável quando lemos sobre personagens do passado. Somos tomados por conceitos do presente. E queremos exigir de personagens de outrora uma postura correspondente ao que contemporaneamente consideramos correto. Vainfas foge disso e, por isso, consegue revelar um Vieira multifacetado, que poderíamos chamar hoje de contraditório. Mas só teríamos o direito de fazê-lo se desconhecêssemos as circunstâncias históricas de então, o caldo cultural vigente no século XVII, os valores da própria Igreja Católica. Vieira, foi, aí sim, um personagem complexo, rico, polêmico, e isso o livro consegue inegavelmente demonstrar.

A base teológica que justificava a escravidão negra

Do que me ocupo, exclusivamente, para que não nos enganemos quanto à força cultural e ideológica que os séculos acumularam contra os negros, é da ideia quanto à escravidão africana, tão solene e fortemente defendida pela Igreja Católica e pelo Papa, sob a alegação de que o cativeiro era uma espécie de benção para os pretos – há um capítulo denominado Paraíso dos Pretos, tratando exclusivamente dessa visão, no qual me concentrarei nesse texto. A escravidão, no raciocínio do catolicismo de então, tinha o condão de trazer os negros para a luz do cristianismo, como acentua Vainfas. A Igreja e os Jesuítas, ordem à qual Vieira pertencia, e na qual permaneceu até morrer, adotaram dois pesos e duas medidas na questão escravista.

Como diz o autor, no caso dos índios, escravidão e catequese se opunham. No caso dos africanos, complementavam-se. Embora fosse uma contradição insolúvel do ponto de vista moral, contornava-se o problema com uma sólida base teológica. A escravidão era má, porém justa e necessária para a ordem do mundo. Para os índios, buscar a salvação e não permitir a escravidão deles. Para os negros, cativeiro. A Igreja vai buscar referências em São Tomás de Aquino, desde, portanto, o século XIII. No decorrer do século XV, construiu-se a ideia de que os africanos em particular eram os mais vocacionados para a escravidão por descenderem de Cam, o filho maldito de Noé, cuja linhagem fora condenada ao cativeiro. Cam teria sido o povoador do continente africano. Os índios, que nada tinham a ver com Cam, deviam ser preservados do cativeiro, como lembra o autor. “Contradição moral e ideológica. Coerência teológica.”

Vieira conhecia bem a sustentação teórico-teológica escravocrata. Na Bahia, naquela primeira metade do século XVII, vivia-se a fase da implantação da escravidão africana e surgiam, portanto, os primeiros quilombos de escravos fugidos, reprimidos logo nos primeiros anos daquele século. A elite baiana estava incomodada com a resistência negra. Era necessário acalmar os negros, acostumá-los à escravidão. Vieira estava na Bahia, depois de ter vivido alguns anos em Pernambuco. Não se sabe quais as razões que o levaram a pregar sobre a escravidão, o que ele faz em 1633 – é o segundo sermão público de Vieira, então com apenas 25 anos. E o faz num engenho do Recôncavo Baiano para uma “confraria” de escravos negros, sem que se saiba exatamente a natureza dessa confraria. O sermão integra a coleção de 30 sermões de Vieira dedicados à Virgem, no ciclo conhecido como Maria Rosa Mística.

O autor defende a possibilidade de que o pedido para que Vieira fizesse o sermão tenha sido dos senhores de escravos com o apoio do governo colonial, empenhados em acalmar os ânimos negros. É provável, ainda, segundo o mesmo autor, que outros religiosos também tenham feito pregação com o mesmo teor. O sermão de Vieira, então, seria a parte visível de um movimento mais amplo de doutrinação de escravos no mundo rural baiano, encabeçado, na política, pelo governador Diogo Luís de Oliveira, pelo bispo D. Pedro da Silva e Sampaio e pelo provincial da Companhia de Jesus, Domingos Coelho. Falo de política, mas é evidente que havia distinção entre as elites que o autor chama de governativas e as espirituais. Nesse momento, constituíam um único corpo, unitário, a favor da escravidão negra. O sermão de Vieira cai como uma luva naquele cenário, e não é ocasional, como já dissemos, nem nasce apenas de um rompante espiritual do sacerdote.

A tentativa de convencer pela fé

Trata-se de um sermão dirigido exclusivamente aos escravos, chamados por ele de etíopes – termo que designava genericamente os africanos – ou de pretos, ou, ainda, de negros da Guiné. O sermão, destaca o autor, se apóia no mote dos filhos de Maria. A Paixão de Cristo transformara Maria em mãe de toda a humanidade – assim Vieira deu início ao sermão. E, anotem, de todos os devotos de Maria no mundo, os pretos eram os mais gloriosos. Os pretos deviam agradecer a Deus por terem sido retirados das brenhas do mundo gentio em que viviam em terras etíopes “para serem instruídos na fé”, vivendo como cristãos, seguros, por isso, da salvação eterna. A glória dos pretos residia na condição de escravos. “Somente assim cumprir-se-ia seu glorioso destino, enquanto devotos de Nossa Senhora do Rosário, que fez deles seus filhos prediletos no mundo”, explica o autor.

A arte argumentativa de Vieira, as armas de seu discurso, são impressionantes, admiráveis, para além da análise que possamos fazer hoje, à luz das conquistas políticas e culturais da humanidade. Ele, no sermão, pergunta: – Por que razão Maria concedera seu maior favor aos pretos? E responde, com toda segurança: Porque eles, os pretos, mais do que quaisquer outros, eram a imitação perfeita da paixão de Cristo. Com o cativeiro, eram a prova viva dos mistérios dolorosos, prelúdio dos mistérios gozosos da salvação, a serem desfrutados na vida eterna.

Aqui na terra, haveriam de enfrentar os mistérios dolorosos para continuarem a ser os preferidos de Maria. O sermão escravista de Vieira, que o autor considera uma peça literária de rara beleza, mescla o temporal e o espiritual, as dores de Cristo na cruz e a dureza do cotidiano escravo nos engenhos. Imitação de Cristo – era essa a gloriosa vida dos negros escravos na construção de Vieira, um argumento de grande força persuasiva numa época em que a preocupação dominante era a salvação da própria alma.

Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado – dirá o jesuíta. “A Paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós despidos: Cristo sem comer, e vós famintos: Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isso se compõe a vossa imitação, que, se for acompanhada de paciência, também terá merecimento de martírio”.

Eu fico aqui imaginando os negros, escravos, reunidos numa manhã ou numa tarde, quem sabe de domingo, tentando entender aquela engenhosa dialética, aquela impressionante transformação de dor em glória, olhando para aquele pregador tão cheio de artes e manhas, e de convicções, aquele sacerdote que se punha tão próximo de Cristo e que os aproximava tanto daquele que morrera na Cruz, e com o qual eles se encontrariam mais tarde, depois de mortos, no Paraíso. Não seria o caso mesmo de aceitar o sofrimento? A resposta nossa hoje é não. E então?

Escravidão no Brasil, quadro de Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Imagem: Reprodução

Escravidão no Brasil, quadro de Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Imagem: Reprodução

Podemos afirmar que foram obrigados, coagidos a aceitar o escravismo colonial pela violência e pela repressão. Mas as elites não dispensavam o discurso, o convencimento, a tentativa de acalmar ímpetos de insubmissão, que ocorrerão, mais tarde, para além dos muitos quilombos, na Revolta dos Malês ou na Revolução dos Alfaiates. Ali, naquele momento, Vieira se dirigia a africanos já cristianizados, e pode ser que assimilassem alguma coisa do discurso, sem que possamos saber se os convencia.

Cristo, seguirá Vieira, na sua Paixão, sofreu as dores do inferno. E ele segue seu raciocínio: “E que coisa há na confusão deste mundo mais semelhante ao inferno, que qualquer destes vossos Engenhos, e tanto mais quanto de maior fábrica. Por isso foi tão bem recebida aquele breve e discreta definição de quem chamou a um Engenho de Açúcar doce inferno.” Vieira seguirá adiante com uma descrição aterrorizante sobre o doce inferno. Falará de labaredas saindo aos borbotões, os negros banhados em suor diante da fornalha, as caldeiras ou lagos ferventes, e gemendo tudo ao mesmo tempo sem momento de tréguas, nem de descanso – uma impressionante semelhança com o inferno construído pelos católicos ou, se quisermos, uma encarnação precisa de todas as dores que se anunciavam para a danação eterna.

Mas, como a escravidão era o paraíso dos pretos, então, todo esse inferno se converterá em paraíso, como diz Vieira em seu sermão, um documento essencial para que se entenda o espírito dominante de então e para que se esclareça o papel do jesuíta como um escravista, como um sólido ideólogo da escravidão, como um religioso que assumiu compromissos com aquela ordem hedionda. Vai criticar os senhores de escravos em sermões futuros, por desleixos na condução espiritual dos escravos e nos excessos de violência que praticavam – como se isso não fosse, de fato, a regra. Mas, como diz o autor, corretamente: “uma vez escravista, sempre escravista: “Vieira foi grande defensor da escravidão africana no Brasil até o fim da vida. O maior de todos”.

Lugo, o golpe e os golpistas brasileiros

Ontem, voltando do trabalho, vinha escutando a BandNews de Porto Alegre. Um pouco antes das 19 horas entra o comentarista Diego Casagrande e, para minha surpresa, começa a falar da votação no Senada paraguaio que acabava de ser encerrada com a derrubada do Presidente Lugo. O que mais me surpreendeu no comentário não foi a informação por mim ainda desconhecida até aquele momento. O que mais me deixou estupefato foi a desfaçatez com que o comentarista se regozijava com o Golpe de Estado perpetrado pelo Senado Paraguaio. A alegria de Diego Casagrande era mais do que indisfarçável: era explícita! O argumento principal: Lugo era aliado dos Sem Terra e, como tal, deveria ser deposto!
É com essa imprensa que lidamos… Pobre Paraguai; Pobre Brasil; Pobre BandNews!

O menino e a Eucaristia

Mãe e pai ficaram revoltados com atitude do padre (Foto: Alexandre dos Santos/RBS TV)Todos acompanhamos com profundo sentimento o fato acontecido em Bom Princípio em que um menino portador da Síndrome de Down teria sido impedido de tomar a comunhão por decisão do padre.
Conheço o Pe. Pedro e a sua sensibilidade pastoral. Minha primeira reação foi a de duvidar de que as coisas tenham sido tal qual foram descritas por certo setor da imprensa. Mas, como não tive acesso direto à fonte, fico esperando o desenlace. Agora chegou a notícia de que o Bispo de Montenegro, Dom Paulo de Conto, teria afirmado que o menino vai receber a comunhão. É apenas questão de tempo.
O que eu queria comentar aqui foi o argumento que teria sido utilizado para negar a comunhão ao menino: ele não saberia o que estava acontecendo, ou seja, não teria consciência do sentido da Eucaristia. O mesmo argumento teria sido utilizado pelo bispo para justificar a ação do Pe. Pedro.
Se este argumento foi utilizado ou não, não tenho certeza. Mas, no caso de ter sido utilizado, não iria de acordo ao ensinamento da Igreja. A doutrina mais tradicional da Igreja a respeito dos Sacramentos é a do Concílio de Trento. Ela afirma que os Sacramentos tem validade em si mesmos, independentes da vontade da pessoa que os administra ou recebe. Eles são não atuam a sua potencialidade quando a pessoa que os recebe se posiciona sobre o que eles querem significar. No caso do menino, ele não saberia o significado dos sacramentos, mas a eles não se oporia. Portanto, não haveria porque impedi-lo de participar.
Se o argumento de que é necessário saber o que está acontecendo para que o sacramento tivesse validade, não poderíamos batizar crianças. Eles não sabem o que está acontecendo!
Com ou sem razão, todos nos alegraremos no dia em que o menino de Bom Princípio receber a comunhão.

Ironias da História: Fundador do Wikileaks pede asilo político ao Equador

Julian Assange, fundador do Wikileaks | Foto: Reuters Nas décadas de 70 e 80, era comum que ativistas políticos latinoamericanos pedissem asilo em embaixadas de países europeus no continente e que, depois de longas negociações, encontrassem refúgio nas democracias do norte da Europa, no Canadá, no México ou em Cuba.
No início do Terceiro Milênio, o caminho começa a se redesenhar com a inversão da via: europeus buscando asilo em embaixadas latinoamericanas! Quem diria…
Veja abaixo a reportagem da  BBCBrasil sobre o caso Assange:

BBC Brasil – Notícias – Fundador do Wikileaks pede asilo político ao Equador