LIVRO PARA DOWNLOAD – APRESENTAÇÃO
No acontecer eclesial e social do período pós-conciliar na América Latina, a Vida Religiosa (VR) jogou um papel importante por colocar-se junto aos empobrecidos que demandam justiça, naqueles lugares que representavam o que não queremos para nossos povos e onde se sonhava o novo a construir. Nos últimos anos, as mudanças por que passam nossas sociedades e a Igreja levaram a um arrefecimento do profetismo e a questionamentos sobre o papel e a identidade da VR. Muitas vezes os questionamentos são radicalizados e chega-se mesmo a perguntar sobre se há um futuro para a VR.
Durante os seis anos em que participamos da Equipe de Assessoria Teológica da Presidência da CLAR (Confederação Latinoamericana e Caribenha de Religiosos e Religiosas) tivemos a oportunidade de, em diversos espaços geográficos e culturais, escutar, conversar e tentar vislumbrar elementos que nos possam ajudar a encontrar caminhos. Dentro desta dinâmica de animação da VR, também tivemos a oportunidade de participar de vários encontros latino-americanos e brasileiros de religiosos irmãos. Fruto destes encontros e reflexões surgiram estes textos que, mesmo tendo sido já publicados de forma individual, decidimos reuni-los e oferecê-los com a finalidade, não de apresentar certezas e pontos finais, mas suscitar diálogos e, quem sabe, alguma luz no caminhar que, com certeza, será de longo prazo.
No primeiro texto, guiado pela perspectiva dos Estudos Culturais, reunimos elementos teóricos para repensar a identidade da VR. Depois de caracterizar a “mudança de época” que vivemos, refletimos sobre três pontos que devem ser pensados quando, enquanto religiosos e religiosas, buscamos reconstruir nossas identidades: o que entendemos por identidade; como se constrói uma identidade e porque escolhemos esta ou aquela identidade. É uma reflexão de cunho antropológico necessária e decisiva neste momento de crise e busca e que pode interessar a todos os religiosos e religiosas.
Os dois textos seguintes tem como pano de fundo específicos a VR de irmãos, este grupo tão desconhecido dentro da Igreja e da própria VR. São reflexões de cunho teológico. Na primeira, de caráter eclesiológico, constatamos que o status eclesial dos religiosos leigos é algo ainda não definitivamente estabelecido. O clericalismo faz com que sejam identificados com o estado clerical, afastando-os da origem laical própria da Vida Religiosa (VR). Isto não é resultado apenas de uma determinação canônica, mas de uma construção teológica não consequente com a compreensão cristã de salvação. Soteriologia deficitária que tem suas consequências na Eclesiologia e na Teologia dos Ministérios. Para resgatar o específico da VR leiga masculina é necessário repensar a compreensão cristã de salvação e, a partir dela, construir uma Igreja-comunidade-de-iguais onde carismas e ministérios específicos possam multiplicar-se e serem colocados a serviço da construção do Reino.
No terceiro texto, depois de assinalar algumas mudanças pelas quais a Vida Religiosa (VR) está passando, propomo-nos repensar a identidade dos religiosos leigos a partir do paradigma trinitário onde a relação é o que faz a identidade. No âmbito eclesial, esta reconstrução da identidade exige um novo paradigma eclesiológico capaz de superar uma eclesiologia hierárquica em favor de uma igreja-comunidade-de-iguais. No âmbito social, as relações com os setores populares marginalizados é o espaço onde os irmãos leigos poderão reconstruir sua identidade.
Por fim, no quarto e último texto, voltado à questão da intecongregacionalidade, depois de analisar, em grandes traços, a evolução da Vida Religiosa no decorrer da história em seus grandes tipos – monástica, mendicante e da missão – detemo-nos sobre as origens e características da VR missionária que, nascendo na modernidade, caracteriza-se pela missão especializada na solução de problemas sociais pontuais. Com efeito, no mundo pósmoderno os problemas que deram origem às atuais congregações religiosas ou já não existem ou se apresentam de forma diferente e o paradigma do agir em rede tomou o lugar da especialização. Intercongregacionalidade e transcongregacionalidade surgem então como possibilidade de futuro para a VR que já não será mais congregacional mas algo novo ainda a construir.
O título desta coletânea – “Vocês todos são irmãos” – remete ao texto de Mt 23,8 onde Jesus propõe como identidade de seus discípulos, discípulas e toda a multidão a superação de qualquer relação de tipo hierárquico e a fraternidade e sororidade como aquilo que identifica o ser seu seguidor. Esta frase serviu como inspiradora de vários de nossos encontros de religiosos irmãos e certamente continuará a nos inspirar em buscas futuras.
Nosso agradecimento a todos aqueles e aquelas que, nas muitas oportunidades em que pudemos partilhar e conversar nos ajudaram com novos elementos e perspectivas que, esperamos, continuem a serem ampliadas.