Arquivo mensal: abril 2013

O futuro com Francisco


Na tarde desta quarta-feira, 24 de abril, professores e estudantes da ESTEF estivemos reunidos para o Encontro Formativo do bimestre. Como tema da tarde de estudos, buscamos discernir sobre o significado e as perspectivas que se abrem com a eleição do Cardeal Bergoglio para “bispo de Roma” (como ele gosta de se afirmar).
No link abaixo estão textos que circulam na internet e que podem nos ajudar a continuar esta reflexão:

A eleição de Frarncisco e seu significado eclesial

No dia 15 de abril tivemos a oportunidade de participar do Encontro dos Pastoralistas Capuchinhos da Grande Porto Alegre. Além da partilha e comunicações, tivemos a oportunidade de partilhar uma reflexão sobre o Novo Cenário Religioso do Brasil a partir dos dados do Censo 2010.Partilhamos no link abaixo o material que serviu de suporte à apresentaçao:
pastoralistas capuchinhos canoas

Bergoglio e o testamento de Martini

Wálter Maierovitch

O saudoso jesuíta Carlo Maria Martini, cardeal emérito de Milão, era conhecido como il mendicante con la porpora (o mendigo com veste púrpura de cardeal). Já em estado terminal, ele concedeu uma longa entrevista, considerada o seu “testamento espiritual”, à jornalista Federica Radice, do jornal Corriere della Sera. Na sua visão, “a Igreja está atrasada dois séculos”. E acrescentou: “A Igreja está cansada, a nossa cultura envelheceu, as nossas igrejas são grandes, as nossas casas religiosas estão vazias, o aparato burocrático cresce e os nossos ritos e os nossos hábitos são pomposos”. Em 2005, o progressista Martini, já com as mãos trêmulas pelo Parkinson, retirou a candidatura papal depois do primeiro escrutínio do conclave que elegeu, na quarta votação, o conservador Ratzinger, considerado o delfim de Wojtyla.

Foto: ©afp.com / Andreas Solaro

Foto: ©afp.com / Andreas Solaro

Sempre em dissenso com Bento XVI, o cardeal Martini sugeria uma nova Igreja, que deveria reconhecer os próprios erros e percorrer um caminho de radical mudança, “começando pelo papa e depois pelos cardeais e bispos”. Ele atacou o governo da Igreja, ressaltou o “subdesenvolvimento cultural que a alimenta” e enumerou, por ter imperado o silêncio, as consequências, a longo prazo, dos escândalos de clérigos pedófilos.

O “mendigo purpurado” contou ter preferido Jerusalém a Roma. Trocou o prestígio pelos estudos e pela atividade pastoral, que o colocava junto aos necessitados. Por evidente, levou para a sepultura o injusto carimbo de catto-comunista (católico comunista), em vez de iluminado progressista independente.

No pré-conclave e já com Ratzinger a desfrutar das instalações papais do majestoso Castel Gandolfo, fez-se sentir o “testamento espiritual de Martini”. Não demorou para os cardeais-, votantes e não votantes pela barreira dos 80 anos de idade,  perceberem o exaurimento da obscurantista teologia do pontificado de Ratzinger. Fora o contragosto de Ratzinger haver jogado com o fato consumado. Por exemplo, ele adotou a sabedoria popular lusitana de não dever se passar de cavalo a burro. Assim, ajeitou, via entendimento do Conselho para Textos Legislativos da Santa Sé, sob a presidência do arcebispo Francesco Coccopalmério, o inusitado título de “papa emérito”. Mais ainda, garantiu o tratamento de “Santidade”, sem nada dizer sobre a infalibilidade em questões de fé, conforme admitido pelo Concílio Vaticano I, de 1868.

Também garantiu um “puxadinho” de luxo (convento em fase de reforma) para morar, sem dar bola ao constrangimento da situação de vizinho do Palácio Apostólico, onde ficam os aposentos reservados ao papa titular do trono petrino.

Embora a questão principal do conclave tivesse sido a reforma e a limpeza de uma Cúria protagonista de escândalos, traçou-se, no pré-conclave, um perfil, à Martini, para o novo papa. Ele deveria abandonar o fausto, ser humilde, caridoso e estar próximo às pessoas. Sem um papa com esse perfil, e era voz corrente, a Igreja jamais conseguiria virar recentes e inglórias páginas e, para repetir o historiador e jornalista Corrado Augias, “manter unida a sua missão espiritual e a natureza política de Estado”.

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Francisco ou Pilatos?

Com efeito, escolheu-se o jesuíta Bergoglio. De pronto, ele abdicou do fausto e caiu no gosto de fiéis pela simplicidade e humildade. Ao deixar em segundo plano o título de papa e preferir o de bispo de Roma, conseguiu a inédita e imediata aproximação dos ortodoxos e dos anglicanos. Como se sabe, o bispo de Roma é apenas o da primeira Igreja, ao passo que o papa é o vigário de Cristo na terra, algo que lhe fixa um primado que causa afastamentos e desconfianças.

O nome Francisco, a fazer lembrar o de Assis, não cai bem em um jesuíta. Os jesuítas são os intelectuais da Igreja e Francisco de Assis achava que o conhecimento deveria ser desprezado, pois era manipulado e empregado como forma de dominação pelas elites ditas cultas.

Não se sabe ainda se o papa Francisco romperá o namoro que Ratzinger manteve com os lefebvrianos, apesar da excomunhão de Marcel Lefebvre em 1988 e da exclusão da Fraternidade Santo Pio X. O sucessor do falecido Lefebvre, fundador da fraternidade que conta com 500 sacerdotes, continua a não aceitar as regras do Vaticano II. Para Bernard Fellay, bispo-chefe da fraternidade, os inimigos da Igreja são “os judeus, os maçons e os modernistas”. No encontro de Castel Gandolfo, o emérito Ratzinger entregou ao titular Bergoglio um dossiê de 300 páginas sobre a aproximação com os lefebvrianos.

Enquanto isso, e a cumprir o compromisso com os eleitores, o papa Francisco vai designar, depois da Páscoa, um triunvirato de cardeais para dirigir e limpar a Cúria e o anexo Banco do Vaticano. Outra questão, por pressão dos cardeais alemães, será a reabertura da proposta, indeferida por Ratzinger, do recebimento de comunhão pelos separados e divorciados.  Por enquanto, o papa Bergoglio vem sendo definido pelos italianos como “conservador popular” e “matou” Ratzinger logo que entrou em campo como o novo dono da bola.

Clicar, em vez de viver, tornou-se norma

Por Marsílea Gombata

Em meio ao burburinho da sala onde fica o quadro Mona Lisa, no Museu do Louvre, em Paris, o fotógrafo Fabio Seixo percebeu algo não exatamente errado, mas exagerado. Os visitantes se espremiam para disparar os flashs da máquina e ter a foto de uma das imagens mais intrigantes e conhecidas do mundo. A guerra para fotografar a musa enigmática imortalizada por Leonardo da Vinci revelava, ali, algo maior: a necessidade de se vivenciar, por meio da foto, a experiência do presente.

“É uma imagem tão icônica quanto aquela de Che Guevara (feita por Alberto Korda em 1960). Pensei: ‘Nossa, que loucura. Será que as pessoas não conhecem a Mona Lisa?’ Então tive um estalo e vi que elas, na verdade, viajam muito mais para marcar território e dizer que estiveram lá do que para curtir a viagem”, reflete.

 

As redes sociais aumentaram a febre da fotografia. Fotos: Fábio Seixo

As redes sociais aumentaram a febre da fotografia. Fotos: Fábio Seixo

 

A experiência em 2005 fez germinar uma semente batizada de Photoland. O projeto, que tem pretensão de virar livro depois de ter ganho exposições no Rio de Janeiro e espaço no festival Paraty em Foco, busca refletir de que modo o ato de fotografar se tornou mais importante do que a vivência e como, em uma espécie de compulsão, ganha fôlego no fértil terreno da tecnologia digital. “Quando você está na Torre Eiffel, se fotografa ali e posta essa imagem, está afirmando sua presença nesse lugar, dizendo que esteve lá”, fala o autor sobre o que considera uma experiência narcisista. “A câmera é um anteparo entre você e as coisas. Então, quando se fotografa, deixa-se de viver o presente para vivenciar a experiência de estar fotografando.”

Foi a possibilidade de mergulhar no universo da escrita com luz que lhe permitiu a reflexão sobre essa dinâmica. O fotógrafo nascido no Rio de Janeiro tem contato com o ofício desde a infância, quando frequentava a redação da extinta Iris Foto, revista histórica com auge nos anos 1970 e 1980, cuja editora era da família de sua tia. Ao concluir a faculdade de jornalismo, não teve dúvida sobre qual caminho seguir e foi trabalhar como fotógrafo de jornal diário. A experiência durou cinco anos. Em 2004, tornou-se autônomo.

Ao refletir sobre a experiência do mundo da fotografia digital atrelada ao narcisismo, existe a intenção de transformar o ato de fotografar em paisagem. A fotografia passa a fazer o papel da natureza, instaurando-se como realidade física. Seixo observa que a intenção de debater os fotógrafos amadores em ação como se fossem paisagem vem da própria imagem autobiográfica. Até que ponto o autor da foto faz parte da cena? “Nesse ato, acabamos perdendo a paisagem. É como se ela não tivesse importância e nós nos tornássemos a própria.”

Metalinguagem. "Você fotografa não mais para guardar o momento, mas para esquecer", afirma Fábio Seixo, do projeto Photoland

Metalinguagem. “Você fotografa não mais para guardar o momento, mas para esquecer”, afirma Fábio Seixo, do projeto Photoland

Na fotografia da fotografia, os cartões-postais não são a Torre Eiffel, o Coliseu, o Empire State Building ou o Buckingham Palace. São, no lugar, quem ali esteve na busca por um arquivo fotográfico cada vez mais amplo. Os traços sobre a necessidade de ser visto são propositais na obra. “O projeto esbarra na questão da visibilidade. Não basta ser um bom médico, um bom professor ou um bom jornalista se você não estiver referendado pelos dispositivos de visibilidade, como mídia e redes sociais”, analisa. “Isso, paradoxalmente, denota o quanto estamos nos tornando uma fotografia de nós mesmos. Não sabemos mais quando estamos posando ou sendo natural. É como se estivéssemos o tempo todo representando um personagem.”

A ideia é refletida de forma parecida em projetos de outros artistas pelo mundo, como o Into The Light, do alemão Wolfram Hahn, que busca imortalizar o momento em que os indivíduos tiram fotos de si mesmos, ou o Too Much Photography, no qual o britânico Martin Parr retrata o frenesi de turistas em pontos conhecidos pelo mundo. Ambos são apreciados por Seixo.

Da observação na sala do Louvre até hoje, Seixo viajou a várias partes do mundo para realizar o projeto. Além da França, passou por Estados Unidos, México, Inglaterra, Itália, Peru, e, é claro, sua cidade natal. O próximo destino do Photoland é o Japão, país-chave do projeto cujo nome faz alusão à Disneyland.

“Hoje estamos todos virando meio japoneses, que têm uma semana de férias e viajam com a câmera fotografando tudo. É como se tivessem a experiência da viagem somente depois, vendo as fotos.”

Soma-se a isso a proporção alcançada graças às redes sociais, alimentadas pela necessidade de likes sobre comentários e fotografias postadas na internet. Uma febre ligada ao desejo de registrar tudo para todos que, ele confessa, cansa. “Quando você fotografa muito, o excesso de imagens gera um ruído e anula qualquer possibilidade de memória por causa da quantidade. Assim, quanto maior seu arquivo pessoal, menos sentido ele faz.”

Clicar, em vez de viver, tornou-se norma

Clicar, em vez de viver, tornou-se norma

 

Na busca pelo silêncio e pela distância dos ruídos, Seixo tenta formas de escapar desse ciclo, como correr e observar o raiar do dia. É o momento em que se permite desligar o celular e deixar o tempo passar, sem registro, horário ou compromisso. Além do trabalho com moda e publicidade, é professor de Fotografia e desenvolve outros trabalhos autorais, entre eles Marca-D’água, que mostra o impacto das chuvas de 2011 na região serrana do estado do Rio de Janeiro por meio das lonas utilizadas pelos moradores para cobrir as encostas e se proteger.

Segundo ele, o fato de a fotografia ser o maior hobby do mundo e estar, cada vez mais, facilitada pelo acesso à tecnologia enfraquece a ferramenta: “A fotografia, que sempre foi um instrumento de memória, passa a ser um dispositivo do esquecimento. Você fotografa não mais para guardar o momento, mas para poder esquecer. É como se cada vez que você apertasse o botão, aquela imagem fosse para um buraco negro”.