Hoje, 19 de março, venho a público confessar que durante muito tempo tive dificuldade em lidar com as devoções a São José, o carpinteiro, esposo de Maria e pai de Jesus. A dificuldade não se enraizava numa falta de fé de minha parte ou em uma presenta desconfiança na exemplaridade da vida do homem de Nazaré. Muito antes pelo contrário. José, ao aceitar Maria grávida e criar um filho que não era dele, transgrediu as leis judaicas que regulamentavam o casamento e a procriação e pagou caro as consequências de ter assumido o cuidado do Filho de Deus.
A vida em Nazaré não foi fácil para o jovem casal. As “pessoas de bem” olhavam para os dois com desconfiança e até com desprezo. Especialmente para José que tomou por esposa uma mulher que, segundo a lei, deveria ter sido apedrejada porque ficara grávida antes do casamento. E, se o filho fosse dele, segundo a mesma lei, José deveria ter sido apedrejado também, por engravidar uma virgem antes de coabitar com ela. Os moradores de Nazaré nada sabiam dos anjos que, segundo os evangelhos de Mateus e Lucas, tinham falado a José e a Maria.
A viagem a Belém, a fuga para o Egito e o retorno a Nazaré não foram fáceis para José e Maria. Os evangelhos nos fornecem pouca informação sobre a vida da família de Nazaré. Apenas dizem que eles cumpriam suas obrigações religiosas – frequentavam a sinagoga e faziam a peregrinação a Jerusalém – e que José era um sem-terra que sobrevivia trabalhando como diarista na construção civil. Talvez, como tantos outros conterrâneos seus, passasse a semana trabalhando nas grandes obras que a administração romana levava adiante nas vizinhas cidades de Séforis e Tiberíades e só voltasse para Nazaré onde morava Maria com o menino no sábado. Mas são apenas suposições. O fato é que nos Evangelhos, depois das narrativas iniciais de Mateus e Lucas, são poucas as referências a José. Nenhuma no evangelho de Marcos; uma nos evangelhos de Mateus e Lucas; duas no evangelho de João. Em três delas, a menção a José é feita com o intuito de desqualificar a pregação e a atividade de Jesus por ser ele “o filho do carpinteiro José”! Depois isso, José desaparece completamente dos relatos bíblicos.
De onde vem, então, as tantas informações sobre a vida de José que encontramos nas vidas dos santos? A maioria vem da literatura apócrifa e gnóstica ou então da imaginação dos devotos que atribuem a José coisas que os evangelistas sequer ousavam pensar e muito menos descrever porque, de fato, não existiram. Como pode alguém, com tão poucas informações sobre o carpinteiro de Nazaré escrever uma biografia de São José com mais de seiscentas páginas? Haja imaginação!…
Minha reconciliação com as devoções a São José foi despertada pela Encíclica “Gaudete et Exsultate” do Papa Francisco. Nela, ele chama a atenção para a “santidade que mora ao lado”, a santidade dos “pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir […] daqueles e daquelas que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus”.
Essa é a santidade do carpinteiro José, a santidade ordinária, a “classe média” da santidade, como diz o Papa Francisco. Santidade que muitas vezes passa desapercebida porque não se expressa em grandes fatos ou em discursos eloquentes. Ela se realiza no quotidiano e só é perceptível para aqueles e aquelas que tem a graça de sentir a presença de Deus no ordinário da vida. E esse é o caminho da revelação que Deus nos mostrou em Jesus Cristo, aquele que foi cuidado e ensinado por José, o carpinteiro de Nazaré, que, por isso, merece toda nossa reverência.
Obs.: A tradução portuguesa da “Gaudete et Exsultate” fala de “santidade ao pé da porta”. Nós preferimos, a partir do original francês da expressão, traduzir como “a santidade que mora ao lado”.