Arquivo mensal: janeiro 2023

O mês de 2.192 dias.

O mês de janeiro de 2023 talvez tenha sido o mês mais longo da história brasileira. Não porque um decreto estapafúrdio do novo governo tenha aumentado o número de dias do mês dedicado a Janus. Janeiro de 2023 teve os mesmos 31 dias dos janeiros dos anos anteriores e dos que virão no futuro.

O diferencial deste janeiro em que a democracia foi reinaugurada no Brasil é que ele foi de intensidade incomparável. Nestes 31 dias, eclodiram algumas das mais intensas crises gestadas durante os 72 meses de governos golpistas que o antecederam. Sim! Governos golpistas. O de Temer e o de Bolsonaro. Alguns não gostam que se lembre da verdade histórica tardiamente reconhecida pela justiça brasileira de que a Presidenta Dilma foi afastada sem nenhum motivo juridicamente sustentável. Foi um golpe em que não houve necessidade de militares. Foi um golpe jurídico e mediático que se revestiu do bufonesco teatro parlamentar. Um golpe orquestrado para conter os avanços democráticos e populares que vinham sendo construídos no Brasil.

As eleições presidenciais de 2022 foram um plebiscito entre democracia e ditadura. Mesmo contra o uso descarado da máquina pública e da fábrica de mentiras, a democracia venceu. O povo brasileiro teve a coragem e a ousadia de votar pela esperança e contra o medo e o terror.

Mas não basta ganhar a eleição. Tem que consolidar o poder e desfazer as maquinações de dominação construídas durante os últimos seis anos. O dia da diplomação de Lula, – 12 de dezembro – foi uma amostra do que viria no dia 8 de janeiro, uma semana após a posse. Sem coragem de assumir a tentativa de golpe, os militares armaram a patacoada de uma “marcha sobre Brasília” que queria imitar a Marcha sobre Roma de Mussolini. Deu errado! Felizmente.

Quem arquitetou o ato terrorista da destruição da casa dos três poderes? Quem está preso são os “tios e tias do zap”. Os mandantes e financiadores ainda estão por deter, julgar e condenar. Será que vai acontecer?

A destituição do comandante do Exército por negar-se a cumprir ordens da Presidência veio mostrar onde estava firmado um dos pilares do governo golpista. Era nos quarteis. Não nas portas onde estavam acampados os terroristas. Mas dentro, nas salas confortáveis dos altos comandos. O governo que se findou em 31 de dezembro passado era um governo militar. Na forma e de fato. Além de ocuparem uma enorme quantidade de postos que seriam de civis, eles deram a linha e a forma da gestão. Exército, Marinha e Aeronáutica carregarão por muito tempo o peso de terem sustentado um governo antinacional.

Militares que, muitas vezes agiram como milicianos. A crise Yanomani veio mostrar isso. Ao invés de proteger os povos originários, fardados colaboraram com madeireiros, garimpeiros ilegais e outros bandos armados que manejam negócios ilegais na região Amazônia. Mais uma vez, o discurso nacionalista escondia uma prática entreguista e predatória das riquezas naturais e dos grupos mais fragilizados da população.

Por fim, apenas para lembrar dos episódios mais marcantes destes 31 dias, a estafa das Lojas Americanas. Três dentre os dez homens mais ricos do país deram um golpe de mais de 40 bilhões de reais. Como isso foi possível? É a pergunta que todos se fazem… Só no anarco-capitalismo brasileiro que teve em Paulo Guedes seu operador no governo passado, tamanha corrupção é possível. Corrupção no sistema privado existe, sim. Não é só no setor público. O uso pelo ex-presidente e seus familiares do cartão corporativo presidencial é um escândalo de corrupção, sim. Mas não chega nem perto da corrupção do capitalismo tupiniquim.

Mas o mês de janeiro passou. Fevereiro vem aí. E com ele o carnaval. Ao ritmo de quais crises se passará o mês das festas momescas? Aguardemos! Certamente virão. Resta confiar na sabedoria do povo brasileiro que sempre soube resistir e na habilidade do novo governo em construir consensos e voltar a dar comida e esperanças a tantas pessoas que delas necessitam.

Onde estava Deus?

Onde você estava no dia 27 de janeiro de 2013? É uma pergunta que muitos nos fazemos hoje. Uma data que desperta recordações. Quero eu também somar-me a tantos que estão registrando em suas redes sociais a memória desta data. Pessoas que viveram diretamente a tragédia ou que se deixaram por ela tocar e solidarizar.

Naquela manhã fatídica de domingo, eu estava saindo de Porto Alegre para Bento Gonçalves para visitar minha mãe internada em uma clínica. Uma viagem sempre difícil e marcada pela emoção. Naquela manhã saí de Porto Alegre com o rádio do carro ligado em uma estação que tocava música italiana. Música suave, gostosa, que recordava a língua materna e a presença da mãe que em breve eu encontraria.

Ao chegar na altura de Canoas, a programação foi interrompida e o locutor deu o primeiro informe do acontecido em Santa Maria: incêndio em uma boate com um total até então registrado de 25 mortos. Alguns quilômetros depois, quando eu passava por Portão, mais um informe: 44 mortos. Minha cabeça girava e eu procurava manter-me atento ao trânsito mas a imaginação não podia parar. Mais adiante, já em São Vendelino, o número de mortos havia passado de 80.

Chegado na clínica onde minha mãe estava internada, a pergunta direta, seca e dura da enfermeira: – Frei, onde estava Deus?

Minha lógica teológica lembrou-se imediatamente de Dietrich Bonhoeffer e de sua resposta diante dos mortos nos campos de prisioneiros: – Deus estava nos mortos. Deus era cada um dos jovens que foi morto naquela noite na Boate Kiss em Santa Maria. Guardadas as devidas proporções, assim como os milhões de judeus, ciganos, homossexuais, velhos, doentes e comunistas que foram mortos nos campos de concentração nazista foram vítimas do ódio nazista, as moças e rapazes que foram sufocadas pelo gás tóxico e do fogo da boate, foram vítimas da ganância de alguns empresários e da irresponsabilidade do poder público.

Dez anos se passaram. O julgamento foi adiado e, quando finalmente feito, anulado. Os réus continuam soltos e sob a proteção do dinheiro ou das relações políticas. Os jovens que estavam na boate e sobreviveram, continuam a penar com as sequelas físicas e psicológicas. Os familiares continuam chorando a dor da perda e da justiça ainda a tardar.

Como sociedade, cabe a missão de recordar, de memoriar, de consolar e de esperançar a memória de tantas vidas interrompidas. Que jamais se esqueça, para que nunca mais aconteça!