Arquivo mensal: janeiro 2013

Religião e Dinheiro

Em um país onde só 8% da população declaram não seguir uma religião, os templos dos mais variados cultos registraram uma arrecadação bilionária nos últimos anos.
Apenas em 2011, arrecadaram R$ 20,6 bilhões, valor superior ao orçamento de 15 dos 24 ministérios da Esplanada –ou 90% do disponível neste ano para o Bolsa Família.
A soma (que inclui igrejas católicas, evangélicas e demais) foi obtida pela Folha junto à Receita Federal por meio da Lei de Acesso à Informação. Ela equivale a metade do Orçamento da cidade de São Paulo e fica próxima da receita líquida de uma empresa como a TIM.
A maior parte da arrecadação tem como origem a fé dos brasileiros: R$ 39,1 milhões foram entregues diariamente às igrejas, totalizando R$ 14,2 bilhões no ano.
Além do dinheiro recebido diretamente dos fiéis (dos quais R$ 3,47 bilhões por dízimo e R$ 10,8 bilhões por doações aleatórias), também estão entre as fontes de receita, por exemplo, a venda de bens e serviços (R$ 3 bilhões) e os rendimentos com ações e aplicações (R$ 460 milhões).
Sérgio Lima/Folhapress
Lucilda da Veiga paga dízimo com cartão de débito em igreja evangélica de Brasília
Lucilda da Veiga paga dízimo com cartão de débito em igreja evangélica de Brasília
“A igreja não é uma empresa, que vende produtos para adquirir recursos. Vive sobretudo da doação espontânea, que decorre da consciência de cristão”, diz dom Raymundo Damasceno, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Entre 2006 e 2011 (último dado disponível), a arrecadação anual dos templos apresentou um crescimento real de 11,9%, segundo informações declaradas à Receita e corrigidas pela inflação.
A tendência de alta foi interrompida apenas em 2009, quando, na esteira da crise financeira internacional, a economia brasileira encolheu 0,3% e a entrega de doações pesou no bolso dos fiéis. Mas, desde então, a trajetória de crescimento foi retomada.
Editoria de Arte/Folhapress
IMPOSTOS
Assim como partidos políticos e sindicatos, os templos têm imunidade tributária garantida pela Constituição.
“O temor é de que por meio de impostos você impeça o livre exercício das religiões”, explica Luís Eduardo Schoueri, professor de direito tributário na USP. “Mas essa imunidade não afasta o poder de fiscalização do Estado.”
As igrejas precisam declarar anualmente a quantidade e a origem dos recursos à Receita (que mantém sob sigilo os dados de cada declarante; por isso não é possível saber números por religião).
Diferentemente de uma empresa, uma organização religiosa não precisa pagar impostos sobre os ganhos ligados à sua atividade. Isso vale não só para o espaço do templo, mas para bens da igreja (como carros) e imóveis associados a suas atividades.
Os recursos arrecadados são apresentados ao governo pelas igrejas identificadas como matrizes. Cada uma delas tem um CNPJ próprio e pode reunir diversas filiais. Em 2010, a Receita Federal recebeu a declaração de 41.753 matrizes ou pessoas jurídicas.
PENTECOSTAIS
Pelo Censo de 2010, 64,6% da população brasileira são católicos, enquanto 22,2% pertencem a religiões evangélicas. Esse segmento conquistou 16,1 milhões de fiéis em uma década. As que tiveram maior expansão foram as de origem pentecostal, como a Assembleia de Deus.
“Nunca deixei de ajudar a igreja, e Deus foi só abrindo as portas para mim”, diz Lucilda da Veiga, 56, resumindo os mais de 30 anos de dízimo (10% de seu salário bruto) à Assembleia de Deus que frequenta, em Brasília.
“Esse dinheiro não me pertence. Eu pratico o que a Bíblia manda”, justifica.

Missa na Igreja Cristã Metropolitana  Foto BBC Brasil

Igrejas voltadas predominantemente para público gay somam hoje cerca de 10 mil fiéis
Encaradas pelas minorias como um refúgio para a livre prática da fé, as igrejas “inclusivas” – voltadas predominantemente para o público gay – vêm crescendo a um ritmo acelerado no Brasil, à revelia da oposição de alas religiosas mais conservadoras.
Leia a íntegra da reportagem no site da BBC

Amar, verbo intransitivo

Por Matheus Pichonelli de http://www.cartacapital.com.br

O escritor mexicano David Toscana descreveu, em O Último Leitor, uma das melhores passagens que eu conheço sobre a banalização do tema “morte” na literatura. O livro conta a história de um bibliotecário de um vilarejo assolado pela fome e pela seca. Ali, diante do abandono (com carências materiais mais urgentes, os habitantes não pisavam na biblioteca havia anos), passa horas num jogo solitário e autocrático: identificar clichês nos livros disponíveis e se vingar dos autores com uma espécie de fogueira da inquisição. Quando o clichê era identificado, ele passava mel nas frases mal formuladas e jogava os livros num quarto escuro, onde as palavras eram literalmente devoradas pelas baratas.

Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva) em cima do filme “Amor”
O personagem esbarrava com expressões do tipo “o horror dos olhos diante da morte” e se enfurecia. Para ele, não fazia sentido alguém se apoiar na expressão sem jamais ter matado ou ficado perto da morte. Certo dia ele pede ao filho que ele sacrifique uma cabra com uma facada no peito. O filho obedece e é questionado pelo pai se, em algum momento, os olhos do animal demonstravam algum tipo de horror. A experiência real leva a uma outra resposta: não, a expressão não era de horror, como descreviam os literatos, mas sim de vergonha. Era como se a cabra estivesse constrangida pela forma com que morreria e seria observada pelos vivos depois de morta. Uma vergonha, conclui, comum a qualquer ser vivo flagrado em situações supostamente indignas.
Esse constrangimento da morrer, ou de caminhar até a morte inevitável, é escancarado sem anestesia em Amor, de Michael Haneke. O filme, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, ganhou cinco indicações ao Oscar deste ano: “Melhor Filme”, “Melhor Direção”, “Melhor Atriz”, “Melhor Roteiro Original” e “Melhor Filme Estrangeiro”. A história é simples: um casal de músicos octagenários se tranca dentro de casa para lutar contra a morte. Anne (Emmanuelle Riva) tem uma doença degenerativa e Georges (Jean-Louis Trintignant) é o marido responsável por recriar um mundo hermético no qual os desejos da mulher sejam de alguma forma garantidos – entre eles o de não permitir que naquela casa entre qualquer sinal de piedade pela enferma.

A sinopse, em si, não parece suculenta ao gosto do grande público, mas o alvoroço em torno do filme levou, na terça-feira 22, os espectadores a lotarem a sala do cinema onde eu estava. Talvez porque estivessem movidos pela expectativa de ver na tela uma história parecida com O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel Garcia Marquez, ou filmes aparentemente similares sobre o envelhecimento, como o lírico Longe Dela, de Sarah Polley.
À saída, duas impressões pareciam manifestadas. Os espectadores com idade mais avançada pareciam em choque, indispostos até para as lágrimas. Os mais jovens pareciam não ver sentido no que assistiam (vi alguns com olhos inchados, pontos de interrogação na cabeça e um certo rubor, corrigido com sorrisos, por uma ou outra lágrima que escapava na sessão).
As reações eram compreensíveis: em vez de “Morte”, o filme se chama “Amor”. E “amor”, à primeira vista, não remete à dor, a não ser as superáveis. As dores desnecessárias, que não levam à transcendência, não constam do script dos amores idealizados. Por isso, quem entrou na sala esperando uma história sobre superação, sobre o lirismo restaurador, com diálogos limpos sobre os esforços que de fato importam na vida, ou mesmo sobre a morte sublime, correu um grande risco de se decepcionar. O filme é um lento exercício de desconstrução da palavra-título. Mais ou menos como fez o personagem de Toscana: é preciso tirar da realidade seu elemento mais natural para encontrar o significado mais honesto da expressão.
E Amor descarta qualquer condimento. Mais que lirismo, amar exige coragem, parece dizer o diretor. E não há romantismo latente diante da morte, que degenera, separa, desgasta, oprime, envergonha e dá vida (por ironia) aos sintomas humanos mais primitivos do orgulho, da vaidade, da teimosia, da autoproteção.
Sem malabarismos, o filme consegue subverter lógicas assentadas em lugares-comuns e que tentam  tornar a morte menos indigesta. Por exemplo: em qualquer sociedade, a morte é trágica apenas quando a juventude é interrompida; no fim da linha, ela é natural, aceitável, permitida e até desejada. Quem disse?, questiona Haneke.
Como uma sombra, a morte ganha corpo pela casa onde a vida a dois parecia bem comportada. Naquela casa, ela é tão intrusa quanto os acidentes, os furacões, os desabamentos ou qualquer tragédia imprevista. Como são intrusos todos males que advém dela, inclusive a pena e os clichês indesejáveis. Clichês que pedem a tal “superação”, serenidade, paciência, como se a morte pedisse condimentos para ser aceita.
À saída, os espectadores mais jovens se mostravam indignados pela exposição supostamente gratuita ao sofrimento. Diziam saber que as pessoas nascem e morrem e que este processo, embora inevitável, é sempre doloroso. Mas o filme, que se passa apenas numa casa de cortinas fechadas, está longe de ser só isso. Pelo contrário: há, dentro daquela casa, uma profusão de elementos a mostrar como a morte é um ruído em si. Por exemplo, a tentativa de assaltantes arrombarem, sem sucesso, a porta da casa onde o casal vive quando tudo parecia em ordem. A pia que incomoda e não para de jorrar. Ou a disposição da mesa de jantar – onde Anne dá os primeiros sinais da doença –  colada numa parede e com espaço apenas para duas cadeiras. Encurralados, os dois personagens parecem simbolicamente condenados à incompreensão. Nessa, os diálogos com a filha parecem (só parecem) surreais. Numa das cenas, a personagem leva longos minutos a falar sobre viagem e a relação tensa com o marido. Só depois, como por educação, pergunta, afinal, o que aconteceu com a mãe. É a mesma filha que, como se não percebesse que a mãe está na cama sem a menor capacidade de articular uma ideia, discorre sobre investimentos em imóveis, poupança, preocupação com aplicações financeiras e pede a ela uma opinião sobre o que fazer. Num terceiro momento, a filha enquadra o pai, pede uma explicação para o que acontece, mostra-se preocupada com a situação da mãe e é interpelada: “de que me adianta a sua preocupação?”
Adianta quase nada. Anne, quando percebe que seu quadro é inevitável, sela um acordo informal com o marido, que promete vedar todas as brechas daquela casa para evitar contato com um mundo de preocupações e pesares. Ela simplesmente não quer ser vista com piedade. Como um diálogo cravado a vida toda, a filha não entende, nem faz esforço para entender a atitude dos pais. Naquela casa, não há tempo nem disposição para dar respostas ou ouvir dos filhos conselhos sobre o que é o certo a fazer a certa altura da vida. Porque, do lado de fora, as pessoas seguem suas vidas sem a projeção do fim – ao menos no centro das preocupações diárias com contas, carreiras, relacionamentos, etc. Mas a morte, de perto, desdenha eufemismos e futiliza qualquer sentimento de apego mundano.
Naquela casa já assombrada pela morte há espaço apenas ao que resta de vida, mais ou menos como escreveu Carlos Drummond de Andrade no poema Os Ombros Suportam o Mundo: “Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação”. É essa sobra de vida que se desgasta sem eufemismo e mistificação o ponto central em Amor. Não esperem dele suspiros gratuitos. Nem do filme, nem da velhice, nem do amor.

Orientação racista na PM-SP provoca indignação de grupo de Direitos Humanos

Reprodução do documento publicado nesta quarta-feira 23 pelo jornal Diário de São Paulo

Reprodução do documento publicado nesta quarta-feira 23 pelo jornal Diário de São Paulo
Um documento com teor racista, assinado pelo capitão da Polícia Militar de São Paulo Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, veio à tona nesta quarta-feira 23 e gerou revolta de organizações de Direitos Humanos e de igualdade racial. O documento, divulgado pelo jornal Diário de São Paulo, orienta policias que trabalham no bairro Taquaral, região nobre de Campinas, a abordarem com rigor pessoas “em atitude suspeita, especialmente indivíduos de cor parda e negra”. Segundo o jornal, a determinação é adotada por policiais desde o dia 21 de dezembro do ano passado e é direcionada principalmente para jovens entre 18 e 25 anos, que estejam em grupos de três a cinco pessoas e tenham a pele escura.
Em carta, o diretor presidente da Educafro, frei David, pediu esclarecimentos sobre o caso para o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e ao secretário de Segurança Pública, Fernando Grella. “Nos assusta saber que ainda ocorrem casos de racismo dentro da polícia”, disse o frei David a CartaCapital.
Às 11 horas desta quarta-feira 23, o secretário-adjunto de Segurança Pública, Antonio Carlos Ponte, se reuniu com frei David para assegurar a apuração da denúncia e a convocação do Comando-Geral da PM para explicar se a orientação também é dada a outros comandos e batalhões.
Motivada pelo caso, a Educafro solicitou, durante a reunião, a divulgação dos dados étnicos das vítimas de abordagens policiais registradas como “resistência seguida de morte”. O pedido foi baseado na Lei da Transparência. O secretário-adjunto se comprometeu, segundo o diretor da Educafro, a apresentar os dados até o dia 15 de fevereiro.
Em relação a Campinas, a carta requisita os dados estatísticos sobre as abordagens com e sem mortes realizadas pelo Batalhão de Campinas, com o intuito de verificar se há, de fato, uma tradição racista dentro da unidade.
Resposta da Polícia Militar
O Comando da PM nega teor racista do documento e explica que a ordem do oficial foi motivada por uma carta de dois moradores do bairro, na qual eles descreviam os criminosos “com a cor da pele negra”.
Procurada pela reportagem, a assessoria da Polícia Militar disse que o documento apenas reproduziu as características presentes na carta dos moradores. “Houve uma falta de atenção na escrita do documento, mas isso não é um caso de preconceito”, explica o capitão Araújo, da assessoria de imprensa da PM. “O próprio capitão Beneducci é pardo e quis, no documento, apenas expor as características físicas dos suspeitos”, completa.
Leia a íntegra da carta, redigida por frei David, abaixo:
Para: Governador Dr. Geraldo Alckmin
Cc para: SSP Dr. Fernando Grella
Acreditamos que neste novo Brasil que estamos construindo, que deseja ser modelo civilizatório para o mundo, especialmente a partir da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, nenhum governante opta por ser racista ou desumano haja vista a responsabilidade da garantia assegurada pelos Direitos Humanos, tão atual no reconhecimento dos crimes praticados quando da Ditadura no Brasil. A própria ONU mostra-se preocupada com a violência de vários países entre eles, o Brasil e decretou a década do Afrodescendente que vai de 2013 a 2023. No entanto, em vários setores da sociedade, especialmente órgãos públicos, vários fatos concretos deixam-nos preocupados, como por ex: cobramos do governo do Estado, na ocasião das primeiras ocorrências e até hoje o governo estadual não revelou quanto por cento das mortes pelos ataques do (PCC e da Polícia) foram de indivíduos negros.
Apesar dos protestos de boa parte da sociedade, poucas providências foram e são aplicadas para reeducar os funcionários públicos da segurança e de outros setores, autores isolados de atos discriminatórios ou vítimas do “Consciente Coletivo” que perpassa ao longo da história grande parte da corporação policial e da sociedade. O “embranquecimento” ocorre para nossa tristeza e decepção na formação de nossos policiais que inconscientemente passam a não se verem como negros e aplicam na abordagem as ordens lhes passadas ao abordarem o negro como ele. Esta falta de formação gera e faz perpetuar a “abordagem RACISTA de pressupor que o negro até que se prove em contrário é considerado um bandido, marginal!”
O novo fato, muito preocupante, refere-se à Ordem de Serviço nº 8 – BPMI – 822/20/12 da região de Campinas emitida pelo Capitão Ubiratan Beneducci, que segue anexo.
A ordem leva-nos a entender que se os policiais cruzarem de carro ou a pé, com um grupo de 3 a 5 brancos entre 18 e 25 anos, não desconfiem deles. Se forem pardos ou negros, abordem-nos imediatamente! Queremos que a Polícia se liberte da imagem do cidadão/ã Negro/a como sendo bandido/a. Quase 100% dos políticos processados e daqueles que aplicam Grandes Golpes financeiros contra a nação são indivíduos brancos. Para estes sim, a polícia deveria emitir alertas urgentes! Para nossa tristeza, neste caso são considerados inocentes até que se prove o contrário. A inversão de valores está no conceito de que são “autoridades” e não moram na periferia ou favelas.
Compreendemos que esta orientação e determinação não é governamental, mas este mesmo governo ao qual apelamos através deste ofício, pode combater com determinação e direito esta medida aplicada por este servidor policial, mal formado e não preparado para suas funções de comando.
Ao final, baseado na lei de transparência nº 12.527 de 18/11/2011, solicitamos ao governador Alckmin:
1) Que nos apresente os dados étnicos das vítimas de abordagens policiais, registradas como “resistência seguida de morte”, e quantos por cento são cidadãos/ãs brancos/as, indiodescendentes, negros/as ou orientais.
2) Apresente-nos o perfil étnico das vítimas dos ataques do PCC e da Polícia do ano de 2006 quando dos primeiros ataques.
3) Apresente-nos os dados estatísticos daquele batalhão de Campinas sobre abordagens (sem e com mortes), bem como, a percentagem de moradores negros e brancos da área desse batalhão.
4) Apresente-nos os dados estatísticos dos assassinatos de negros e brancos, no estado de São Paulo nos últimos 12 meses (janeiro de 2011 a janeiro de 2012), com perfil étnico, idade e classe econômica.
Sem mais, confiando em um retorno de nossas solicitações o mais breve possível,
Com a saudação franciscana de Paz e Bem!
Frei David Santos

A renda dos 100 mais ricos poderia acabar com a pobreza no mundo | Carta Capital

A renda líquida obtida em 2012 pelas 100 pessoas mais ricas do mundo, 240 bilhões de dólares, poderia acabar quatro vezes com a extrema pobreza no planeta. A conclusão está num relatório publicado no fim de semana pela ONG britânica Oxfam. A entidade não entra em detalhes a respeito das contas que fez para chegar ao dado, mas os números servem como alerta para a intensa e crescente desigualdade social no mundo. O documento serve para chamar a atenção para os debates do Fórum Econômico Mundial, que começa nesta terça-feira 22 em Davos, na Suíça. A desigualdade ganhou um painel próprio no encontro, marcado para sexta-feira 25, mas tanto suas conclusões quanto os avisos da Oxfam devem cair em ouvidos moucos. O mundo hoje está construído para ampliar a desigualdade e não há sinais de mudança.
O relatório da Oxfam ecoa estudos e análises econômicas recentes sobre a desigualdade. Hoje, as diferenças entre os países estão diminuindo, mas a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres dentro de cada nação está crescendo. Essa é a regra na maior parte das nações em desenvolvimento e também nas desenvolvidas.
Nos Estados Unidos, a desigualdade social é tão grande hoje em dia que, nas palavras da revista The Economist, supera a das últimas décadas do século XIX, a chamada “Era Dourada” do capitalismo norte-americano. A porcentagem da renda nacional que vai para o 1% mais rico da população dobrou desde 1980, de 10% para 20%. Para o 0,01% mais rico, a bonança foi maior: sua renda quadruplicou.
Na União Europeia, a situação também é ruim. No livro Inequality and Instability (Desigualdade e Instabilidade, em tradução livre), o economista James Galbraith mostrou que, se tomada como um conjunto, a UE supera os Estados Unidos em desigualdade. Isso se explica, em parte, pelas diferenças entre os diversos países do bloco. Ainda assim, se tomadas separadamente, as nações europeias também têm observado aumento da desigualdade. Um estudo sobre o tema publicado em 2012 pela OCDE, concluiu que “desde a metade dos anos 1980″, os 10% mais ricos de cada país “capturam uma crescente parte da renda gerada pela economia, enquanto os 10% mais pobres estão perdendo terreno”. No Japão, onde 100 milhões de pessoas se diziam de classe média, estudos mostram, desde o fim da década de 1990, o aumento da desigualdade a partir da metade dos anos 1980.
A política sequestrada
Não é uma coincidência o aumento da desigualdade no mundo desenvolvido desde os anos 1980. Foi nesta época que começaram a ter efeito as políticas lideradas pelos governos de Ronald Reagan nos Estados Unidos (1981-1989) e Margaret Thatcher (1979-1990) no Reino Unido, mas adotadas em boa parte do mundo por outros governantes, como Helmut Kohl (Alemanha), Ruud Lubbers (Holanda) e Bob Hawke (Austrália): impostos mais baixos, desregulamentação do sistema financeiro, redução do papel do governo e outras medidas integrantes do receituário neoliberal. Essa política, arrimo da globalização, teve alguns efeitos positivos, mas foi levada a extremos por quem se beneficia delas. Para manter as políticas desejadas, que aumentavam sua riqueza (e também a desigualdade) esses grupos de interesse se encrustaram nos círculos de poder. Eles sequestraram a política.

Idoso pede esmola no chão de uma rua de Kandahar, no Afeganistão, na segunda-feira 14. Um relatório da ONU apontou que um terço da população do país vive “na mais abjeta pobreza porque os governantes estão mais interessados em proteger seus interesses escusos”. Foto: Mamoon Durrani / AFP
Este fenômeno é analisado no livro Winner-Take-All Politics (Política do vencedor leva tudo, em tradução livre), dos professores Jacob S. Hacker, de Yale, e Paul Pierson, da Universidade da Califórnia. Em artigo de capa da revista Foreign Affairs em dezembro de 2011, o jornalista George Packer resume o argumento do livro em duas palavras: dinheiro organizado. Foi no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980 que as grandes corporações de diversos setores da economia passaram a financiar as campanhas eleitorais, dando início a uma “maciça transferência de riqueza para os americanos mais ricos”.
Este modelo de política, e de fazer política, grassou no mundo desenvolvido e foi transplantado para os países em desenvolvimento, onde foi emulado com maestria pelas elites econômicas locais. Não é uma surpresa, então, que a desigualdade esteja aumentando também nesta região. A Índia acumula diversos bilionários, mas continua sendo o país com mais pobres no mundo. A África do Sul é mais desigual hoje do que era no fim do regime segregacionista do Apartheid. Na China, onde não é preciso sequestrar a política, apenas pertencer ou ter um bom relacionamento com o Partido Comunista, a desigualdade é semelhante à sul-africana: os 10% mais ricos ficam com 60% da renda.
A América Latina e o caso do Brasil
O único lugar do mundo onde a desigualdade está caindo de forma sistemática é a América Latina, justamente a região mais desigual do mundo. Isso ocorreu nos últimos anos por dois motivos. O modelo neoliberal, e a ascensão do “dinheiro organizado”, também chegaram aos países latino-americanos, mas em alguma medida entraram em choque com forças políticas contrárias a uma parte importante do receituário, a não-intervenção do Estado na economia. Assim, os governos da região, entre eles o de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, conseguiram estabelecer a redução da desigualdade social como uma prioridade. Em segundo lugar, os países da região, também incluindo o Brasil, foram muito beneficiados pelo rápido crescimento econômico provocado pela existência de um mundo faminto por commodities.
Imagem mostra a favela de Kataanga, em Kampala, a capital de Uganda. Foto: Michele Sibiloni / AFP

Imagem mostra a favela de Kataanga, em Kampala, a capital de Uganda. Foto: Michele Sibiloni / AFP
Há, entretanto, inúmeras dúvidas a respeito da sustentabilidade do modelo latino-americano de redução da desigualdade, especialmente quando a economia começar a desacelerar, situação em que o Brasil já se encontra. Como notou o colunista Vladimir Safatle em edição de dezembro de CartaCapital, o capitalismo de Estado do governo Lula promoveu um processo de oligopolização e cartelização da economia, o que favorece a concentração de renda nas mãos de pequenos grupos. Ao mesmo tempo, Lula não fez, e Dilma Rousseff não dá indícios de que promoverá, a universalização e qualificação dos sistemas públicos de educação de saúde. Sem essas reformas, a classe média seguirá gastando metade de sua renda com esses dois serviços básicos e os pobres continuarão com acesso a escolas e hospitais precários. Os ricos, por sua vez, não terão problemas. A desigualdade de renda poderá cair ainda mais, mas a desigualdade de oportunidades vai perseverar, e a imensa maioria dos pobres continuará pobre.
Para fazer essas reformas, e outras potencialmente capazes de reduzir a desigualdade, como a taxação de grandes fortunas e de heranças e reformas estruturais, o Brasil e outros países latino-americanos enfrentarão as mesmas questões do mundo desenvolvido. Em grande medida, a política latina foi sequestrada pelo “dinheiro organizado”. Levantamento do repórter Piero Locatelli mostra que, em 2010, 47,8% das doações eleitorais no Brasil foram feitas por empresas e que apenas 1% dos doadores foram responsáveis por 73,6% do financiamento da campanha.
O resultado disso, seja nos Estados Unidos, na Europa, na Índia ou no Brasil, é uma grave crise de representação. O cidadão não consegue participar da vida pública e ter seus anseios ouvidos pelo governantes. Os partidos, à esquerda e à direita, caminham cada vez mais para o centro e, como diz o filósofo esloveno Slavoj Zizek, fica cada vez mais difícil diferenciá-los. A esquerda, supostamente contrária aos absurdos do liberalismo econômico, ou aderiu a ele e também tem suas campanhas financiadas por grandes corporações ou não tem um modelo alternativo e crível a apresentar.
Em seu relatório, a Oxfam pede aos governos para tomar medidas que, ao menos, reduzam os níveis atuais de desigualdade social aos de 1990. É bastante improvável que os política e economicamente poderosos resolvam fazer isso do dia para a noite. Estão aí os brasileiros que chamam o Bolsa Família de bolsa-esmola e o ator francês Gerard Depardieu, que preferiu dar apoio a um ditador a correr o risco de pagar impostos de 75%, para provar isso. Talvez apenas o entendimento de que, como diz a ONG britânica, a desigualdade social é economicamente ineficiente, politicamente corrosiva e socialmente divisiva, provoque mudanças. Para isso, no entanto, é preciso que os poderosos entendam os riscos da desigualdade.

A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, disse nesta segunda-feira que os ataques às religiões de matriz africana chegaram a um nível insuportável. ‘O pior não é apenas o grande número, mas a gravidade dos casos que têm acontecido. São agressões físicas, ameaças de depredação de casas e comunidades. Nós consideramos que isso chegou em um ponto insuportável e que não se trata apenas de uma disputa religiosa, mas, evidentemente, uma disputa por valores civilizatórios’, disse ao chegar ao ato lembrando o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa no Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo. O número denúncias de intolerância religiosa recebidas pelo Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência cresceu mais de sete vezes em 2012, quando comparada com a estatística de 2011, saindo de 15 para 109 casos registrados. Para a ministra, os ataques são motivados principalmente por alguns grupos evangélicos. ‘Alguns setores, especialmente evangélicos pentecostais, gostariam que essas manifestações africanas desaparecessem totalmente da sociedade brasileira, o que certamente não ocorrerá’, disse Luíza, que acrescentou que esta semana deverá ser anunciado um plano de apoio às comunidades de matriz africana. ‘Nós queremos fazer com que essas comunidades também sejam beneficiadas pelas políticas públicas’, completou. No ato promovido pela prefeitura paulistana foi lançada a Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial. Segundo o prefeito, Fernando Haddad, a celebração é uma forma de fazer com que as pessoas que ainda têm preconceito contra as religiões afrobrasileiras reflitam sobre a importância da tolerância. ‘Eu penso que a expressiva maioria dos moradores de São Paulo abraça essa causa de convivência pacífica, tranquila, com respeito e a tolerância devida ao semelhante. Agora, existe uma pequena minoria para qual o recado aqui é dado: que há uma grande maioria que quer viver tranquilamente’, disse. O recado da tolerância também está sendo promovido pelo grupo multirreligioso Paulistanos pela Paz, que há 8 anos atua para conscientizar principalmente a juventude. ‘Nós estamos coordenando visitas a escolas, faculdades para dar palestras, seminários, para trazer esse questionamento à tona. Porque a intolerância brota da incapacidade de conviver com o diferente’, disse o Reverendo Mahesh, coordenador do grupo e representante do Hinduísmo Hare Krishna. Membro do Centro Cultural Ilê-Ifa, o maestro Roberto Casemiro, também defendeu a atuação com a juventude como forma de combater o preconceito. Na opinião de Casemiro, para muitos jovens, em especial os envolvidos em grupos que promovem o ódio, como os skinheads, falta conhecimento e falta cultura. ‘E quem não tem nem conhecimento, nem cultura, não tem respeito’. Evangélico de confissão luterana, o pastor Carlos Mussukopf, acredita que a melhor maneira de evitar o preconceito é unindo as diferentes religiões entorno de objetivos e ideias comuns. ‘Devemos procurar o que nos une, o que nos unifique, o que nós temos em comum. E que a gente também saia da teoria, dos encontros de diálogo e passe para a prática. Existem tantos desafios na sociedade que nós vivemos que exigem uma ação unificada também das religiões. Vamos ver questão da população de rua, da natureza’, disse.