A maioria de nós tivemos um dia a ocasião de ler a carta escrita, em 1854, pelo Cacique Seattle ao Presidente dos Estados Unidos, quando este lhe propôs a compra de suas terras. Naquela carta, que é um poema de amor à criação, entre outras afirmações, dizia Seattle: “Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence a terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas, como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo”.
A consciência de que os humanos pertencemos ao conjunto da criação e de que tudo está interligado são eixos estruturadores da Carta Encíclica Laudato Sì do Papa Francisco.
Com pontos de partida diferentes – a cultura milenar dos povos originários deste continente e a cultura judaico-cristã – o Cacique Seattle e o Papa Francisco chegam à mesma conclusão. Por que, então, temos tanta dificuldade em organizar nossas vidas a partir destes princípios básicos que garantiriam a sobrevivência da espécie humana e de todas as outras formas de vida vegetal e animal?
A nosso modo de ver, por duas razões. A primeira, pela dificuldade em aceitarmos nossa fragilidade humana. Somos seres mortais, tão mortais quanto os outros animais e nossa vida neste mundo é fugaz e poucos ou ninguém lembrará de nós depois da nossa morte. A outra razão, conexa com a primeira, é a tentação de nos pensarmos como senhores da criação, com direito a tudo dominar e a tudo explorar. Tanto os seres humanos como as outras criaturas. Temos dificuldade em aceitar que não somos senhores, mas cuidadores da criação.
A atual pandemia provocada pelo coronavírus é ocasião para lembrarmos e pensarmos nisso. Com todo o avanço científico e tecnológico, estamos ameaçados por um simples vírus. Ou não seria exatamente por causa de uma ciência incapazes de perceber o ser humano em sua relação com a criação as causas desta pandemia que tanto assusta?
Precisamos rever a forma como os humanos nos situamos no mundo. E o tempo quaresmal é adequado para isso. Iniciamos este tempo litúrgico lembrando que somos pó e que ao pó voltaremos. É um chamado à humildade, à simplicidade, à humanidade nas suas formas básicas e fundamentais.
A Palavra de Deus lembra que, num mundo tomado pela doença e agressão, deste mesmo pó da terra, quando conformado pelo sopro e pela saliva divina, pode nascer a esperança da cura e da vida nova. Do pó da terra fomos criados pelo sopro divino. E Jesus, diante do cego que tem sua vida ameaçada pela insensibilidade e prepotência dos fariseus, junta sua saliva ao pós da terra e devolve a luz e a capacidade de sobreviver.
Deixar que a fragilidade humana seja conformada pelo sopro divino que compartilhamos com todas as outras criaturas é um caminho para construir um mundo mais convivial onde todos, humanos e não humanos, podemos conviver em harmonia.
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