Por menos pedras e menos cruzes.

Fim de semana passada participei, como todos os católicos que tem possibilidade, da celebração dominical. Tempo especial em preparação à Páscoa. A sequência da liturgia quaresma nos convida à revisão de vida e conversão para acolher a Salvação sempre dada por Deus, independentemente de nossa condição pecadora.

As leituras da Palavra de Deus do Quinto Domingo do Tempo da Quaresma têm como tema a misericórdia de Deus. No Evangelho de João, Jesus é colocado diante da situação da mulher que teria sido flagrada em adultério. Todos conhecemos o episódio. Só a mulher é levada até Jesus. O homem que teria cometido adultério com ela é isentado pelas “pessoas de bem” que se julgam cumpridores da Lei. Jesus desarma os moralistas agressores convidando a quem não tivesse pecado a atirar a primeira pedra. E todos se afastam, começando pelos mais velhos. Talvez fossem eles os que tivessem cometido adultério com a mulher. Jesus também não condena a mulher. Ele não veio para condenar, mas para salvar. E o faz com carinho, abaixando-se, colocando-se na mesma condição da mulher. Bem diferente dos homens que, de pé, julgavam a mulher e queriam também julgar a Jesus.

Minha tristeza, na celebração em que participei, foi a de ouvir o presidente, na sua reflexão, colocar-se do lado dos apedrejadores e não do lado da mulher e de Jesus. Durante os doze minutos do sermão, todo o acento foi colocado no “vai e não peques mais”, ressaltando que, de fato, a mulher era pecadora e devia ser condenada e que só a misericórdia de Jesus a salvou. Com o deslocamento do centro de atenção, as pedras voltaram a voar e a misericórdia de Deus desapareceu do horizonte. A insistência nos pecados da mulher foi tanta que a ação libertadora de Jesus foi transformada em um verdadeiro apedrejamento verbal. Uma pena! O legalismo condenado por Jesus parece muitas vezes presidir a leitura que fazemos do Evangelho. Como seria bom colocar-se outra vez na mesma posição de Jesus, sentado, no pó do chão, ao lado das que sofrem. Isso nos faria entender e anunciar.

Escrevo isso pensando na semana litúrgica da qual estamos nos aproximando, a Semana Santa. Passa-me pela cabeça a terrível ideia de que a Paixão e Morte de Cristo na cruz também possa ser interpretada a partir da condenação das autoridades religiosas daquele tempo e de seus gritos de “crucifica-o, crucifica-o”. Meu medo é que apareça alguém pregando que a morte de Jesus, assim como afirmavam seus acusadores, devia mesmo acontecer. Afinal, ele ensinava os pobres, anunciava o Reino de Deus, convivia com pessoas tidas por impuras e indignas da graça de Deus, com hereges e estrangeiros, infringia a Lei e não respeitava as autoridades religiosas. E que os que o mataram, nada mais fizeram que cumprir a lei.

Oxalá que isso não aconteça. Mas tenho medo. E temo. Temo muito. Afinal, estamos vivendo tempos em que a religião da pedra e da cruz parece prevalecer sobre a comunhão do pão e a esperança da ressurreição. Rezemos pela nossa conversão!

2 ideias sobre “Por menos pedras e menos cruzes.

  1. José Carlos Flach

    Olá, frei Vanildo, professor de teologia em Bom Princípio e Montenegro. Inicialmente, um pedido: por favor, coloque suas postagens também no comentário. Hoje, só permite curtir e compartilhar.
    Percebo em muitos padres ainda, de fato, o cristianismo legalista, normativo. O Cristo ainda não encontrou seu espaço fora do templo. A formalidade supera a prática diária. Bem distante daquilo que aprendemos nos ótimos cursis. Isso sem falar em pseudo líderes que contaminam o entorno, transforman sua função litúrgica em campo de poder. (Não esqueça minha solicitação!)
    Um abraço desde Alto Feliz

    Resposta

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s