Viver é transitar

A vida é uma transição. Cada etapa dela, um conjunto de mutações. Umas curtas. Outras mais longas. Todas elas um caminho entre o início e o fim, entre a concepção e o apagão final que chamamos morte.

No início do percurso, elas são rápidas e facilmente perceptíveis. Crianças e adolescentes mudam a cada mês, a cada semana, a cada dia. Na juventude, as transições começam a diminuir sua velocidade. Ao chegarmos à vida adulta, temos a impressão de que somos sempre os mesmos. Ledo engano. Continuamos mudando, lenta, devagar, inexoravelmente. Sem volta.

A velocidade da transição entre a vida e a morte parece acelerar-se outra vez quando a velhice nos alcança ou quando, por contraditório que pareça, a alcançamos. É um encontro que não desejamos, mas que, quase sempre, buscamos e, a cada aniversário, até festejamos. A percepção da retomada da rapidez da transição nasce da certeza cada vez mais evidente de que não há como voltar atrás e que o fim está cada vez mais próximo e a mutação final nos levará ao desaparecimento. O tempo se torna cada vez mais curto e cada minúscula transição é vivida como uma terrível maldição. Ou não. Tudo depende da opção entre viver a vida como uma opção ou como uma ilusão. Escolhemos assumir a transição como um modo de vida ou a ela resistimos fingindo que o tempo não passa?

A vida é a mesma. O tempo é o mesmo. As mudanças são as mesmas. Queiramos ou não. Aí não está o problema. Aí está o dilema. Que não está fora de nós. Está dentro, na medula de nossos ossos, no fundo do fígado e no âmago das tripas. O tempo não é fruto dos astros que giram ao redor uns dos outros e nos ajudam a marcar as horas, os dias, os anos, os séculos, os milênios. Esse é o tempo cronológico que, como seu mito inspirador, pode nos devorar se não soubermos dele nos distanciar para viver. O tempo que realmente conta e mede nossas vidas e lhes dá sentido é aquele que mora dentro de nós. O tempo de Deus para quem um dia é como mil anos e mil anos podem ser como um dia. Um som tormentoso que não tem fim ou uma doce melodia.

Não é o tempo que faz as mudanças. São as mudanças que fazem o tempo no ritmo em que as vivemos, assumimos, compreendemos e completamos. É tempo de mudar de tempo, de fazê-lo mais lento, menos transitivo, mais instintivo e degustativo que quantitativo e numerativo. Tempo de fazer uma vida transitiva para que o tempo se torne lento e vivamos intensamente cada momento.

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