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Onde estava Deus?

Onde você estava no dia 27 de janeiro de 2013? É uma pergunta que muitos nos fazemos hoje. Uma data que desperta recordações. Quero eu também somar-me a tantos que estão registrando em suas redes sociais a memória desta data. Pessoas que viveram diretamente a tragédia ou que se deixaram por ela tocar e solidarizar.

Naquela manhã fatídica de domingo, eu estava saindo de Porto Alegre para Bento Gonçalves para visitar minha mãe internada em uma clínica. Uma viagem sempre difícil e marcada pela emoção. Naquela manhã saí de Porto Alegre com o rádio do carro ligado em uma estação que tocava música italiana. Música suave, gostosa, que recordava a língua materna e a presença da mãe que em breve eu encontraria.

Ao chegar na altura de Canoas, a programação foi interrompida e o locutor deu o primeiro informe do acontecido em Santa Maria: incêndio em uma boate com um total até então registrado de 25 mortos. Alguns quilômetros depois, quando eu passava por Portão, mais um informe: 44 mortos. Minha cabeça girava e eu procurava manter-me atento ao trânsito mas a imaginação não podia parar. Mais adiante, já em São Vendelino, o número de mortos havia passado de 80.

Chegado na clínica onde minha mãe estava internada, a pergunta direta, seca e dura da enfermeira: – Frei, onde estava Deus?

Minha lógica teológica lembrou-se imediatamente de Dietrich Bonhoeffer e de sua resposta diante dos mortos nos campos de prisioneiros: – Deus estava nos mortos. Deus era cada um dos jovens que foi morto naquela noite na Boate Kiss em Santa Maria. Guardadas as devidas proporções, assim como os milhões de judeus, ciganos, homossexuais, velhos, doentes e comunistas que foram mortos nos campos de concentração nazista foram vítimas do ódio nazista, as moças e rapazes que foram sufocadas pelo gás tóxico e do fogo da boate, foram vítimas da ganância de alguns empresários e da irresponsabilidade do poder público.

Dez anos se passaram. O julgamento foi adiado e, quando finalmente feito, anulado. Os réus continuam soltos e sob a proteção do dinheiro ou das relações políticas. Os jovens que estavam na boate e sobreviveram, continuam a penar com as sequelas físicas e psicológicas. Os familiares continuam chorando a dor da perda e da justiça ainda a tardar.

Como sociedade, cabe a missão de recordar, de memoriar, de consolar e de esperançar a memória de tantas vidas interrompidas. Que jamais se esqueça, para que nunca mais aconteça!