A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), porta-voz da Igreja Católica no país, evitou nesta segunda-feira a polêmica criada em torno da declaração do papa Bento 16, que admitiu a utilização de preservativos em certos casos para reduzir o risco de transmissão do vírus da Aids.
Em um livro que será lançado nesta terça-feira na Alemanha e na Itália, Bento 16 afirma que o uso de preservativos é aceitável “em certos casos”, especialmente para reduzir o risco de infecção do HIV, mas insiste que não é a “verdadeira” maneira para combater a Aids –já que para ele é necessária uma “humanização da sexualidade”.
Consultada pela agência de notícias France Presse, uma porta-voz disse que a CNBB esperará até ter o livro original em mãos para comentar as declarações.
Já o governo brasileiro elogiou as declarações do papa, que classificou como “muito positivas”. “[Elas] nos permitem abrir uma discussão junto a grupos católicos que atuam na prevenção da Aids”, disse Eduardo Barbosa, diretor-adjunto do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, do Ministério da Saúde.
Segundo Barbosa, ao admitir o uso de preservativos em casos como a prostituição, o papa permitiu que “tenhamos a possibilidade de incluir os preservativos masculinos e femininos nas ações que desenvolvemos com grupos como a Pastoral da DST/Aids, que depende da CNBB”.
“Assim, poderemos incluir estes importantes agentes católicos em discussões sobre o sexo fora do casamento, por exemplo, e as possíveis ações sociais de prevenção de doenças. A credibilidade do papa abriu este espaço”, continuou.
Barbosa lembrou ainda que o Brasil acaba de comprar 1,2 bilhões de preservativos que serão distribuídos gratuitamente pela rede de saúde pública nos próximos dois anos, incluindo 20 milhões de preservativos femininos.
O assessor nacional da Pastoral da DST/Aids, frei Luiz Carlos Lunardi, disse que a declaração do papa “acrescenta um dado importante para o contexto da realidade atual da Aids” e “lança luz sobre os desafios concretos que representa a epidemia da Aids”.
“Em algumas situações, como indicou o papa, a pastoral pode considerar o uso do preservativo, sempre em direção ao bem maior que é salvar vidas”, completou.
OBRA
O livro do papa, intitulado “Light of the World: The Pope, the Church and the Signs of the Times” (Luz do Mundo: O Papa, a Igreja e os Sinais do Tempo, em tradução livre), é baseado em 20 horas de entrevistas conduzidas pelo jornalista alemão Peter Seewald.
Alguns capítulos do livro foram publicados neste domingo pelo jornal do Vaticano, o “L’Osservatore Romano”. Leia trechos
A declaração surpreendente, apesar de não questionar a proibição da camisinha na doutrina da Igreja, foi considerada um passo importante que muda a imagem ultraconservadora do pontífice alemão, segundo analistas.
“O papa deu o passo em um momento maduro, que já era esperado por muitos teólogos e conferências episcopais’, afirmou o vaticanista Luigi Accatoli do jornal “Corriere della Sera”.
A inédita abertura do chefe da Igreja Católica ao uso do preservativo, rejeitado de todos os modos até o momento, abre o debate dentro da instituição sobre uma aceitação ou não do uso da camisinha como um “mal menor” para salvar vidas.
Importantes nomes da Igreja, como os cardeais Carlo Maria Martini e o africano Peter Kodwo Appiah Turckson, já haviam se pronunciado publicamente a favor do uso da camisinha em casos específicos, como quando um dos membros do casal está contaminado.
A nova posição de Bento 16 certamente influenciará o debate, já que até agora a Igreja defendia apenas a abstinência como método de prevenção da doença, e apresenta um rosto mais humano e aberto do primeiro pontífice alemão da era moderna, que ficou conhecido como guardião do dogma durante o pontificado de João Paulo 2º.