Da Rocinha e outras roças

Em recente entrevista publicada pela BBC logo após a prisão do tranficante Nem e na perspectiva de uma “invasão” por parte da polícia ao morro da Rocinha, no Rio de Janeiro, o Secretário de Segurança do Estado, José Maria Beltrame, pergunta sobre a possibilidade de o tráfico, expulso da favela, se reorganizar a partir de outra base territorial, respondeu: “Acho que se isso acontecer, poderá acontecer fora da Rocinha. Nós não podemos ser cobrados para fazer com que as pessoas desistam de vender drogas. A questão de o tráfico se rearranjar em outro lugar, ou outra cidade, isso tudo é uma possibilidade que existe em qualquer lugar do mundo. Agora, na Rocinha, vai ser difícil, porque nós vamos ter policiais 24 horas por dia lá dentro. Na Rocinha, existia um regime tirano, um feudo do tráfico, isso não vai mais existir”.
Sincera e honesta, a resposta do delegado gaúcho que, apesar de todas as crise, vem se mantendo à cabeça da Secretaria de Segurança do Estado mais exposto ao noticiário no Brasil e que, na perspectiva da realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 está, com certeza, no centro de todas as atenções, merece ser destacada por duas razões.
A primeira, que conta positivamente para o Secretário e a atual política de ocupação dos morros, chama a atenção para o princípio da territorialidade do tráfico e aponta para aquilo que está sendo exitoso na atual política de segurança no Rio de Janeiro e que vem sendo imitada em outros lugares do Brasil, como, por exemplo, em Porto Alegre com os Territórios da Paz: sem controle de território, o tráfico perde muito de seu poder de coerção sobre aqueles que mais sofrem com ele: as pessoas mais pobres da sociedade. Com efeito, para os moradores dos morros e outros lugares dominados pelo tráfico, o dia a dia é de submissão e violência tanto de parte dos traficantes como de parte da polícia que usa o argumento do tráfico para sua sanha de violência e extorsão sobre os mais pobres.E isso se dá pelo controle do comércio, do transporte, da venda de gás, da prestação de serviços de telefonia, internet… que tem que pagar imposto ao tráfico ou aos policiais.
Na mesma resposta do Secretário Beltrame, no entato, está o outro lado do drama que raramente é colocado em questão. Ao dizer o secretário que “nós não podemos ser cobrados para fazer com que as pessoas desistam de vender drogas” está ele ocultando que, se alguém vende drogas, é porque alguém quer comprá-las. Para ser completamente honesto e abarcar o problema no seu todo, devia ele ter dito também: “nós não podemos ser cobrados para fazer com que as pessoas desistam de comprar drogas”. Todos os que vivemos numa economia de mercado sabemos que, até que haja alguém disposto a comprar algo, haverá gente disposta a vender o que está sendo buscado. E, todos sabemos, o grande mercado consumidor de drogas não está nos morros, mas nos bairros de classe média e alta que, com certeza, nunca serão ocupados para neles instalar UPPs. Mas essas já são outras roças…

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