
Mas há algo mais que o simplesmente viver. Segundo o filósofo da caatinga, “o mais difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra”. Se bem entendi a frase, o desafio é estabelecer a relação entre o que somos, o que queremos ser e o sentido que damos àquilo que vivemos. O que estabelece a coerência entre os três elementos – ser, querer ser e dar sentido ao viver – é a palavra. Por isso, se “viver é muito perigoso”, falar também é algo que precisa ser feito com muito cuidado, pois também pode ser muito perigoso.
Martin Heidegger, com toda a seriedade da filosofia alemã, dizia o mesmo que Riobaldo: “A linguagem é a morada do ser”. É ela que nos permite sair da inércia das coisas e passar a sermos no mundo junto com os outros compreendendo o sentido da própria existência e da vida dos que conosco caminham perigosamente entre a vida e a morte.
Fernando Pessoa afirma que a nossa verdadeira pátria não é um território ou um Estado. Nossa Pátria é a Língua que falamos. Dizia ele não chorar por nada que a vida trouxesse ou levasse. Mas odiava a escrita mal feita, errada, criminosa, que deturpa “a palavra que também é gente”.
Atrevo-me a acrescentar à frase do poeta luso um artigo definido feminino singular: “a palavra que também é a gente”. Faço isso pensando numa altercação de Jesus com os fariseus onde ele, tomado de raiva, os desafia: “Raça de víboras, como podem vocês, que são maus, dizer coisas boas? Pois a boca fala do que está cheio o coração. Mas eu lhes digo que, no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado. Pois por suas palavras você será absolvido, e por suas palavras será condenado”.
Para Jesus, são as palavras que pronunciamos as que revelam o espírito que habita em nosso interior. Se é o Espírito de Deus ou o espírito do diabo. Para saber quem é uma pessoa, basta estar atento às palavras que saem de sua boca e, como dizia Riobaldo, ir “até o rabo da palavra” para descobrir a casa e a pátria em que essa pessoa mora.
De fato, falar, assim como viver, é muito comprometedor. É uma travessia perigosa. Mas essa é a vida!
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