Acabamos de celebrar o Dia Internacional da Mulher. Uma data para comemorar as lutas e conquistas e para sonhar e abrir caminhos na construção de sociedades em que o machismo e o patriarcado se tornam apenas tristes lembranças exibidas em museus. Estamos longe ainda desta utopia. Mas não podemos deixar de caminhar em direção à igualdade de gênero e a novas relações onde as diferenças não sejam oposição, mas feliz diversidade e complementariedade.
O dia Internacional da Mulher faz lembrar o encontro de Jesus com a samaritana narrado no Evangelho de João e lido na liturgia do Terceiro Domingo da Quaresma. Uma acena tão forte que ultrapassa a liturgia e faz parte do imaginário popular cristão. Há muitos detalhes na narrativa. Atenho-me aqui apenas a um. É a pergunta que os discípulos, ausentes no momento em que Jesus encontra a mulher na beira do poço, não fazem ao regressar da cidade e ver o nazareno e a samaritana a conversar. É um detalhe curioso e, talvez, o mais interessante da narrativa. Como o mostra o evangelista com sua fineza estilística habitual, um judeu normalmente não admitiria jamais que um homem, ainda mais um mestre, falasse com uma mulher em público e – horror dos horrores! – com uma mulher estrangeira e de má fama.
Na pergunta, não feita pelos discípulos, mas que normalmente seria feita por um “homem de bem” judeu, está embutido todo um leque de preconceitos. Preconceitos étnicos, culturais, religiosos, de gênero. Preconceitos que nasciam do medo do outro, do diferente e, ao mesmo tento, ajudavam a alimentar e aumentar esse medo. Ao não fazer a tradicional pergunta, os discípulos demonstram já estar a caminho da superação desse medo.
A narrativa mostra um Jesus sem medo de dialogar com a mulher. E mais: ele quer beber do poço da mulher. Não apenas da água do poço cavado por Jacó. Mas do poço da tradição samaritana, da sabedoria samaritana, da experiência de Deus no monte Garizim, do modo daquela mulher sentir e expressar sua fé em Deus. Por sua vez, ela tampouco demonstra qualquer temor em dialogar com Jesus. Não se assusta com aquele galileu que chega e puxa conversa como nenhum outro o faria. Não tem medo da tradição judaica, da sabedoria judaica, da experiência de Deus no monte Sion. Ela está disposta a beber do poço onde Jesus bebe.
A mulher pede para beber a água da vida de Jesus. Jesus aceita beber da água do poço da Samaritana. Tanto ele como ela sabem e proclamam que Deus é espírito e é verdade e Ele se manifesta não apenas no poço com o qual cada um deles está habituado. Eles sabem que Deus está presente e se expressa em todas as profundezas da humanidade.
O diálogo de Jesus com a samaritana e o não questionamento dos que seguem a Jesus, faz-me pensar nas razões que ainda hoje levam muitos dos que se dizem discípulos e missionários de Jesus a ter medo de falar com elas. Elas, as mulheres. Mulheres que fazem parte da Igreja e também das que dela não participam. Muitos líderes religiosos cristãos, diferentemente de Jesus que fala com as mulheres e dos discípulos que veem com naturalidade a disposição dialogante de Jesus, ainda reagem como os judeus e perguntam: “por que falas com elas?” “Prá que ouvi-las?” “Elas não têm nada a dizer, seu poço não têm profundidade, suas águas não têm vida.” É assim que muitos cristãos ainda expressam seu sentir em relação às mulheres e sequer se dão ao trabalho de ouvi-las. Quanto mais de dialogar com elas.
“Fale com ela!” Falem com elas! Ouçam o que elas têm a dizer! É o que diz Jesus. É o que aprenderam e fizeram os discípulos. Não há razão para ter medo. Não há nada a temer. Suas águas são transparentes e vivas. É só falar e descobrir as riquezas do poço que elas cuidam e a vida generosa e multivariada que brota de suas águas.